por Bruno Cavalcanti
Dan Rosseto é, inegavelmente, um dos diretores mais talentosos e versáteis de sua geração. Com uma estética própria, que foge ao óbvio, é capaz de imprimir uma assinatura reconhecível em espetáculos das mais variadas vertentes. Seja em um quase-thriller como seu debutante Manual para Dias Chuvosos, seja em uma singela comédia sobre relações humanas, como em Entre – A Porta Está Aberta.
Como autor, também é facilmente reconhecível, trabalhando uma estética de diálogos que buscam a construção de personagens arriscadas, que até tendem cair no maniqueísmo puro, mas jamais concretizam a ameaça.
Em 2017, encontrou o ponto de maturação entre as duas vertentes – diretor e autor – com o antimusical Enquanto as Crianças Dormem (eleito um dos melhores espetáculos de 2017 por esta santa coluna), no qual construiu um instigante thriller policial para criticar a indústria do teatro musical – acredite se quiser!
E este ponto de maturação fica muito explícito em Diga que Você já me Esqueceu (em foto de Edson Lopes Jr.), espetáculo que entra em cartaz oficialmente dia 31 de março no Teatro Viradalata, no Sumaré, mas realizou pré-estreia para convidados na noite do último sábado, 24. Esta é a segunda montagem em dois anos do um texto em que Rosseto aborda, com certa reverência, o universo de Nelson Rodrigues.
A história se passa em meio aos preparativos para o casamento de Lúcia e Silvio, primogênito da família comandada com mão de ferro por Dona Querubina. No decorrer do espetáculo, é dada luz a diferentes acontecimentos que ocorrem em paralelo ao matrimônio, como a paixão proibida entre primas, o relacionamento incestuoso entre irmãos, um caso extraconjugal da e uma série de embates sociais.
Flertando com a clássica linguagem do expressionismo europeu – que ajudou a formatar o repertório de grupos clássicos da história do teatro paulistano, como o Oficina e o CPT – a nova versão do espetáculo é muito superior à encenada originalmente em 2016.
Limpa e concisa, a direção de Rosseto brinca com signos do teatro moderno e da sociedade contemporânea, fundindo referências da obra de Nelson Rodrigues com expressões linguísticas e manifestações políticas, sem jamais soar ininteligível, e construindo sólido diálogo com o factual. O diretor evita maneirismos e foca no cerne principal do texto, sem abrir mão do bom e velho drama tipicamente familiar.
Acima da média, o (numeroso) elenco caminha com desenvoltura pelos caminhos propostos por Rosseto, nesta que deve ser uma de suas encenações mais refinadas. Carol Huber, na pele da noiva Lúcia, dá um ar naturalista ao expressionismo proposto pela direção, mostrando que domina a arte do drama sabendo dosar o tom para não ceder à tentação do melodrama.
O mesmo se pode dizer de Juan Manuel Tellategui, o ator que foi um dos destaques de Enquanto as Crianças Dormem, volta a mostrar que é um grande ator ao dar vida à Dona Querubina, embarcando com rara desenvoltura na proposta da direção sem jamais se deixar levar pela tentação de interpretar um homem (tra)vestido de mulher.
Personagem mais difícil (e significativa) da peça, dona Querubina é uma matriarca típica para uma grande atriz poder deitar e rolar sem medo de cair do penhasco do melodrama. Tellategui vai pelo mesmo caminho, o que, em determinado momento, pode prejudicar a personagem. Mas é detalhe pequeno que vai se acertando à medida que o espetáculo seguir temporada.
Na pele das primas Dália e Selma, Ana Clara Rotta e Marjorie Gerardi constroem uma cumplicidade cênica que dá às personagens um interessante ar psicopático, quebrado com a entrada em cena de Nalin Júnior e Daniel Morozetti, na pele de Nestor e Pedro, respectivamente, personagens que ecoam com perfeição as figuras masculinas da obra de Rodrigues, tão pouco lembrados em encenações do gênero.
Os atores, inclusive, são dois dos muitos pontos altos desta encenação. Júnior constrói uma personagem que beira o patético e, por isso, flerta com tamanha naturalidade com a crueldade e o chauvinismo; enquanto Morozetti passeia entre o tom canastrão, de um típico conquistador machista, e tons de galã apaixonado e amargurado pela dor de uma paixão (numa transição perfeita).
Na pele do atormentado Silvio, Pablo Diego rende menos que seus colegas, muito pelas cores menos vivas de sua personagem, muito também pela falta de possibilidades cênicas que dá a seu Silvio, principalmente na rápida transformação de um jovem atormentado pelo abuso materno e pelas investidas de sua jovem irmã em um sádico marido, que exige que a esposa mate o amante (aliás, cena mais Rodriguiniana impossível).
Impressão que pode ser diluída no decorrer da temporada, é bom que se esclareça. Do outro lado, na pele de Teresa, a jovem irmã mais nova que busca pelo amor carnal de Silvio, Larissa Ferrara é um dos destaques da encenação, conseguindo traduzir de maneira excelente as linguagens propostas pela direção de Rosseto, dando uma leveza tenebrosa a sua personagem.
Seu embate com Carol Hubner é um dos melhores momentos da trama que, assim como na montagem original de 2016, peca pelo excesso. Com 1h45min, a encenação apresenta algumas barrigas, muitas provenientes do texto, que apenas patina – principalmente nas cenas em que o quarteto formado por Júnior, Morozetti, Rotta e Gerardi discute suas aflições e afeições.
Mas, é bem verdade, é outro problema que pode se diluir a medida que a encenação ganhar fôlego e temperatura. No mais, Diga que Você já me Esqueceu versão 2018 extingue completamente a má impressão deixada por sua primeira montagem, garantindo, mais uma vez, o nome de Dan Rosseto entre os grandes encenadores, que mais uma vez, transgride, mesmo que aposte em uma proposta que já não é tão nova, nem tão moderna, mas é competente estudo acerca de uma boa estética teatral.
SERVIÇO:
Diga que Você já me Esqueceu
Data: 31 de março a 29 de abril
Local: Teatro Viradalata – São Paulo (SP)
Endereço: Rua Apinajés, 1387 – Sumaré
Horário: 21h30 (sábado); 19h (domingo)
Preço do ingresso: R$ 30,00 (meia) a R$ 60,00 (inteira)