por Bruno Cavalcanti
Na última terça-feira, através de uma leitura dramática no Itaú Cultural, em São Paulo, foi divulgada a homenageada da 18o Festa Literária Internacional de Paraty, e qual não foi a surpresa quando o nome de Elizabeth Bishop foi revelado. Pela primeira vez a organização da FLIP opta por um estrangeiro, enfatizando a letra I da sigla: Internacional.
A justificativa? Bishop viveu parte da sua vida no Brasil, fato que influenciou sua arte; e foi importante difusora da poesia brasileira no exterior, com traduções de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto, dentre outros. Mas fica a pergunta: Se a grande contribuição da poeta foi difundir a cultura brasileira no além-mar, não seria a nossa continuar? Em um evento literário dessa magnitude, o maior da América do Sul, não seria interessante dar prosseguimento a divulgação de autoras e autores nacionais, colocando sob foco não alguém que consumiu a nossa literatura e se encantou, mas a nossa literatura em si? E esse é só um dos poréns que tornam essa escolha tão inusitada, e porque não dizer, impertinente.
Não tenho a intenção de diminuir a importância de Bishop no cenário literário, autora laureada com o prêmio Pulitzer e com a alcunha de uma das poetisas mais importantes do século XX, nem ignorar sua importante representatividade enquanto uma escritora abertamente homossexual. Seus poemas e a vasta produção epistolar são de nobre relevância, e deixam claro o trabalho de uma das grandes. O poema One Art é prova disso. Elizabeth Bishop foi uma escritora brilhante.
Porém, no atual momento político-cultural do Brasil, com o desmonte de diversos órgãos que fomentam a cultura no país, e um menosprezo, por parte dos poderosos, da dita “cultura nacional”, o nome de Elizabeth chega a ser quase irônico. É como se estivéssemos dando uma visão externa da nossa cultura, como que procurando validação de outro alguém sobre os nossos próprios, como se fosse uma glória para o Brasil ter alguém como Bishop em nossas terras, lendo nossa literatura, deixando se influenciar por nossa cultura, o que não deixa de ser, mas o país tem suas próprias glórias para relembrar e enaltecer.
Outra questão relevante envolvendo seu nome são as cartas divulgadas pela Revista Piauí na edição 36, de Setembro de 2009, onde a autora expressa sua visão do país através de frases como ”O Brasil é mesmo um horror” e chamando o golpe de 1964 de ”revolução rápida e bonita”, chegando a dizer que ”a suspensão dos direitos, a cassação de boa parte do Congresso etc., isso tinha de ser feito, por mais sinistro que pareça.”. Qual versão de Elizabeth Bishop vamos celebrar nessa FLIP? Claro que uma escritora, como qualquer pessoa, tem seus diversos lados, porém seus escritos, por melhores que sejam, não apagam sua opinião acerca dos fatos, e aqui temos a de Bishop acerca de um dos períodos mais críticos da História do nosso país, país esse que agora a homenageia.
A escolha da autora foi realizada por pessoas como Mauro Munhoz, diretor artístico do festival, e a curadora Fernanda Diamant, além de Liz Calder, uma das idealizadoras da FLIP, que, assim como Bishop, também é uma estrangeira que se apaixonou pelas terras tupiniquins. As justificativas foram:
”Ela viveu mais de quinze anos no Brasil e produziu parte de sua obra aqui, claramente influenciada pela experiência estrangeira e brasileira. Basta ler suas cartas para termos clareza disso.”
”Não é por ter sido escrita em língua inglesa que a poesia de Bishop está menos encharcada do Brasil que a de Drummond ou João Cabral de Melo Neto.”
Minha justificativa, caso ainda se faça necessária, é uma pequena lista de três autores que poderiam receber a alcunha de homenageados e representar o Brasil como, de acordo com os organizadoras, Elizabeth Bishop tão bem o fez.
1. Carolina Maria de Jesus (1914-1977)
A escolha da escritora de Quarto de Despejo traria maior diversidade ao hall de homenageados e colocaria em foco um lado do país que é quase ignorado na Festa, devido a sua estrutura bastante elitista.
2. Lygia Fagundes Telles (1923)
Homenagear uma das nossas maiores escritoras ainda em vida seria um belo gesto da FLIP, que, até então, só escolheu autoras e autores mortos como seus homenageados. Lygia tem vasta produção literária, passeando por contos e romances, como As Meninas e Ciranda de Pedra, e seria uma ótima representação da grande literatura produzida em nosso país.
3. João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999)
Além de exímio poeta, autor de obras como Morte e Vida Severina, coloco João Cabral aqui por ter sido citado em uma das justificativas dos organizadores, sem nunca mesmo ter sido alvo das homenagens da FLIP. Seria uma outra ótima escolha para representar nossa literatura.
Por fim, vale ressaltar que a obra de Elizabeth Bishop não era reeditada havia um bom tempo, sendo seus livros itens raros nas livrarias e até em sebos do país. Após o anúncio da autora como homenageada da 18o FLIP, a Companhia das Letras, detentora dos direitos de suas obras no país, anunciou novas edições para 2020, afinal o dinheiro move o mundo, até mesmo o literário.
COLABORAÇÃO:
Davi Novaes é ator e dramaturgo. Autor de O que Restou de Você em mim, selecionada uma das 10 melhores peças de 2018 neste portal.