por Gilda Mattoso
Já se vão 33 anos de sua morte e você completaria este ano 100 anos!!! Eu custo a crer na velocidade do tempo que foi tão pouco generoso para nós dois juntos e agora se estende dessa maneira. Fico sempre imaginando como teria sido nossa vida se você tivesse vivido mais um pouco comigo. Sempre que via os queridos amigos Enrica e Michelangelo Antoninni juntos, pensava em como seria bom ter tido você mais tempo. O casal italiano tinha mais ou menos a nossa diferença de quase 40 anos e vivia numa sintonia tão bacana que eu cheguei a chorar uma vez vendo gestos de carinho dele, muito debilitado por um AVC e a dedicação dela, o esforço para entender o que ele queria dizer…. Lindo!
Embora pouco, o tempo que passamos juntos foi tão intenso em amor e cumplicidade que até parece que foi maior. Lembro de coisas tolas mas que diziam muito pra mim, como, por exemplo, o fato de eu sempre perder a hora de manhã pra ir à ginástica porque eu pedia a você pra me acordar e você dizia sempre, quando eu zangava com você: ¨Meu amor, eu não tenho coragem de acordar um ser que dorme serenamente como você!¨ É de se entender vindo de um insone de primeira linha como você era. Lembro também de uma ocasião que eu peguei no sono na sala, vendo um filme tolo na TV com você e quando acordei, sob o meu relógio tinha um bilhetinho: ¨Amor, fui comer no Concorde com Tom e não quis acordar você. Não abra a porta pra ninguém e, se quiser, vai encontrar conosco lá.¨ Uma outra ocasião, em Punta del Este, uma amigo querido, Daniel Terra, perguntou a você: Vini, quais são seus projetos futuros? Você, de bate pronto: ¨Meu único projeto pro futuro é fazer a Gildinha feliz!!¨ Eu quase derreti…
Nossa viagem a New York em outubro de 78 para comemorar seu aniversário. Você saiu de Paris, onde estava vivendo comigo no meu apartamento de estudante classe média, apartamento esse que dividia com Ruth Washington, amiga da vida toda, e foi encontrar nossos amados Regina e Zequinha Marques da Costa e me deixou lá muito triste, pois achava que não ia passar seu aniversário com você e teria que esperar duas semanas até você voltar. No dia seguinte, me ligam da Air France dizendo que tinha um bilhete no meu nome para ir a Nova York de Concorde!!! (recém lançado). Lá fui eu, com direito a carro me buscando no Aeroporto, e ficamos num Family apartment do hotel Essex House no Central Park South. Os dois casais fizeram tudo a que tinham direito em NY e ainda tinha Verinha Nascimento Silva com Anacyr, Nelita e Gerard Léclery, ela sua ex mulher e que ficou amiga minha até hoje. Foram 14 dias de alegria intensa e farras homéricas (Serginho Figueiredo também estava na parada). Fui com você, cheia de emoção, conhecer João Gilberto que morava lá na ocasião. Fomos ver o musical ¨Ain’ t missbehavin¨, só com músicas do genial Fats Waller. Fomos tomar Bull shot no Sherry Netherlands, fomos ver Bobby Short cantando no Carlyle. Andei com Regina (isso não era programa prá você nem prá Zequinha) pelo Central Park. Séjour inesquecível.
Lembro da primeira vez que minha mãe, muito reticente com relação a nossa união, foi com minha irmã Lia jantar em nossa casa. Chamamos, para compor a mesa, Silvia e Baden e Clara Nunes e Paulinho Pinheiro (tanto mamãe quanto Lia eram super fãs de Clara). Você fez mil recomendações a Silvia, divertida e desbocada, para que maneirasse no palavreado com mamãe. Depois de alguns whiskies, você soltou alguns palavrões, bem ditos, que não chegaram a espantar a sogra mas nos fizeram rir muito depois e Silvia passou o resto da vida pegando no seu pé por conta disso.
Por fim, lembro de você me pedindo que não me casasse com mais ninguém!!! Como se fosse possível viver com um ser tão especial como você e depois achar graça em mais alguém.
Cá estou eu viúva para sempre sua!
Gilda Mattoso