por Anna Ramalho
Apesar de todos os pesares – que não são poucos – tenho uma imensa alegria de viver num tempo que ainda tem o Papa Francisco e Nélida Piñon em plena atividade e o legado imorredouro do poeta e diplomata Vinicius de Moraes, que cheguei a conhecer em 1973 em inesquecível entrevista para a revista Manchete – o que gerou o convite para que eu participasse da festa que ele daria em homenagem ao gigante Astor Piazzola dias depois. Um dia conto esse encontro. Avante!

A força, o carisma, a inteligência do Papa Francisco têm sido um alento nesse tempo de peste, escuridão, ódio e completo descaso de muitos para com seus irmãos
Antes de ser Papa, Jorge Mario Bergoglio é argentino, portenho, e, como tal, muito fã de Vinicius e sua turma: os parceiros, Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra, Chico, Edu e tantos outros, e, nos últimos tempos, a presença constante do parceiro Toquinho e das cantoras Maria Bethânia e Maria Creuza em várias de suas apresentações pela Argentina. O belíssimo Samba da Bênção não apareceu na encíclica Tutti Fratelli à toa. Sua Santidade, com certeza, andou frequentando os shows do poeta em Buenos Aires.

Vinicius de Moraes é não apenas um grade poeta, como o mais popular, graças às suas poesias em forma de canções que todos cantamos e amamos
Moderno, um homem destemido, uma figura carismática e adorável, Francisco arrasou com a escolha da música, que em sua saudação a tantos amigos e compositores, também saúda orixás do candomblé – Francisco sonha em irmanar a todos, seja qual for a religião, a cor, o gênero. Do samba, escolheu um verso imortal: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.
Já eu, do mesmo samba, tenho como lema de vida outro verso: “É melhor ser alegre que ser triste/alegria é a melhor coisa que existe/é assim como a luz no coração…”
E é com essa alegria e leveza que compartilho tantos momentos divertidos, tantas boas lembranças, com a viúva do Poeta, minha queridíssima amiga Gilda Mattoso – ela também muito alegre, cheia de histórias hilárias que conta como ninguém, o que pode ser testemunhado na divertida live que fazemos com Aloísio de Abreu, toda sexta-feira, no Facebook. Nosso Papo na rede já é um campeão de audiência.

Na janela da casa da Gávea, o poeta Vinicius de Moraes e seu derradeiro amor, Gilda de Queirós Mattoso, das pessoas mais divertidas e alegres que conheço
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Vida longa ao Papa Francisco! E muito obrigada por mais este gesto de “fraternura”, neologismo que aprendi com um querido amigo, tremendamente cristão e portenho como Francisco, que a usa seguidamente. Muito obrigada, meu querido Ekke. Fraternura diz tanto!
Muita saudade de Vinicius, que partiu muito cedo, mas que deve estar honradíssimo por estar incluído numa encíclica do Papa mais notável dos últimos tempos.
Saravá, Poeta!
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Nélida Piñon não é apenas uma maravilhosa escritora, a dona de um texto impecável e invejável, das pessoas que conheço quem melhor fala o português. Ela é um exemplo, uma usina de trabalho, escrevendo de oito a dez horas por dia, enquanto padece com a perda progressiva da visão. Nada disso abala a mulher que foi a primeira a presidir a Academia Brasileira de Letras e que acaba de lançar um romance sobre o qual trabalhou mais de dois anos: “Um dia chegarei a Sagres”.
Nélida é também uma amiga preciosa e atenta. Quando comemorei meus 70 anos em Lisboa, lá estava ela festejando comigo em casa de Chicô e Paulo, numa noite que tenho evocado muito nesses dias sombrios porque só me traz lembranças felizes. Para atravessar o negro túnel desta peste, há que olhar algumas vezes pelo retrovisor e lembrar, como lembrou Francisco, que “a vida é a arte do encontro” e eu tive a sorte de encontrar esta mulher formidável.
Nélida Piñon – lindamente fotografada pelas lentes do maravilhoso Leo Aversa – foi capa da revista Ela, de O Globo, neste domingo. Uma bela entrevista de uma mulher sábia, valente e doce, muito doce. Aos 83 anos, segue uma força a serviço da inteligência, das amizades e do amor a suas cachorrinhas Pilara e Suzy, tratadas como filhas. Eu já tivera o privilégio de conversar com ela, mês passado, numa das minhas lives.
Amo você, Nélida Piñon. Deus te guarde e abençoe muito.

Nélida Piñon é um exemplo: dribla a idade trabalhando sem parar e escrevendo suas obras-primas. É também uma amiga para se guardar do lado esquerdo do peito
P.S. Para recordar o Samba da Bênção, aqui numa gravação no Teatro La Fusa