por Reinaldo Paes Barreto
Quem diria? Se, por um lado, o holograma de uma adolescente tipo Barbie, projetada num telão de vidro gigante, em Tóquio, esta semana, dançando uma mistura de “rock” e “break”, botou milhares de jovens japoneses em estado de transe, como se estivessem assistindo a um show dos Beatles, por outro lado Nicolas Joly, um aristocrata francês que largou os negócios da família há 10 anos para ser vitivinicultor biodinâmico, utiliza na seca algas marinhas e, nas floradas, arnica, para cuidar de suas parreiras.
Este é o maravilhoso contraste do admirável mundo pós-moderno.
Os Vinhos Naturais são uma espécie de genérico dos orgânicos e biodinâmicos. São vinhos produzidos sem nenhuma adição de sulfito. O sulfito, aliás, é uma espécie de satanás dos vinhos, porque segundo os cientistas, essa substância, utilizada para ajudar a conservar o vinho é a culpada pelas dores de cabeça que “se apresentam” na manhã seguinte a uma noite de degustação de taças de vinhos comuns. “Vinhos naturais não dão dor de cabeça. A ressaca é culpa do sulfito”, diz o cantor Ed Motta, assumidamente radical na defesa dos vinhos naturais. “Hoje em dia só bebo vinhos orgânicos da Borgonha.” (Charme é charme: eu, Reinaldo, tomo um bom vinho orgânico do Chile, de Portugal, where ever).
Neste post, vejamos primeiro o conceito de Vinho Naturais e os Orgânicos.
Vinhos orgânicos
Para começar, uma distinção que se impõe. Linguisticamente falando, não é o vinho que é orgânico — porque o que é orgânica, ou biológica (como designam os franceses) – é a vinha. Não necessariamente o vinho dela resultante. Ou seja: o que a legislação exige para conceder a “certificação biológica” é que os vinhos sejam produzidos a partir de parreiras sobre as quais não se apliquem agrotóxicos, herbicidas, pesticidas e outras químicas, para combater as pragas, corrigir o solo, etc.
Em outras palavras: um vinho pode ser “bio” e não ser natural, como comenta a Maria Leroux, vitivinicultura portuguesa. “Um vinho natural pode ser produzido de forma tradicional (não proveniente de uma vinha orgânica) mas ao qual não se adicionam sulfitos durante a vinificação. Ele será mais saudável, sem dúvida, mas durante um curto espaço de tempo. E se não viajar para muito longe!”
Já o vinho orgânico… é um vinho produzido com uvas cultivadas de forma totalmente natural, sem inseticidas, pesticidas nem agrotóxicos. Mas permitem a adição de substâncias químicas (inclusive o sulfito, salvo em doses reduzidíssimas) para conservação ou correção de sabor. Repito: o que o diferencia dos vinhos rigorosamente naturais, que não admitem o sulfito (anidrido sulfuroso ou SO2).
Além disso, a agricultura orgânica acredita que dispensar o uso de pesticidas e fertilizantes químicos faz com que a uva nos ofereça maior pureza em seus sabores e possa melhor refletir as características da terra onde foi plantada. O enólogo-chefe da vinícola Nativa – braço naturalista da Viña Carmen, um terroir-referência do Chile — o jovem e calmo (orgânico?) Felipe Ramirez, trazido ao Brasil pela Mistral, vai mais longe. Segundo ele, as parreiras já vivem estressadas. Se planta, se corta, faz-se a poda, se rega, se… se alguém não se preocupar com a sua natureza, o seu timing e o seu habitat, ela nunca poderá dar bons vinhos.
E a Nativa foi a primeira vinícola sul-americana certificada como orgânica.
Bem interessante também foi saber dele que as ervas daninhas que crescem ao lado do parreiral são comidas por gansos, até o desenvolvimento dos cachos. A partir daí, os gansos são retirados – visto que comem as uvas – e o corte passa a ser feito por trabalhadores, o que encarece o processo de cultivo. A agricultura orgânica é mais cara, é certo, mas é uma tendência irreversível. Além disso, nos vinhedos ecológicos, usam-se vespas para combater aranhas que furam as uvas, aveia plantada entre as fileiras do vinhedo para fertilizá-lo, insolação privilegiada para o combate os fungos – e outras soluções criativas — como plantar os parrerais na encosta que dá para o leste, porque o sol da manhã é bactericida.
Teste: além de alguns bons tintos, provei um Nativa Terra Sauvignon-Blanc 2009 e o que “salta (não aos olhos, mas) à boca” é a ausência do caráter vegetal/mineral típico dos Sauvignons Blancs, sobretudo os do Novo Mundo. Mantem os aromas de pêssego, laranja lima, abacaxi, etc, mas com bem pouca acidez.
Já nos tintos, volto para a Quinta Monte da Casteleja, no Algarve, (citada do blog de quarta-feira, 18/11) do casal Leroux, para exaltar o equilíbrio do Maria Seleção 2008 (o 2007 entrou na lista dos 50 melhores vinhos de Portugal), orgânico embora ainda sem a certificação – eles começaram em 2007 e demora 5 anos até receberem “o carimbo”, mas “um poema de equilibrio”. Taninos macios, aroma que lembram cacau, ameixa e carvalho. Mas um vinho jovem, para ser bebido agora.
No Brasil, o primeiro vinho certificadamente orgânico foi apresentado ao mercado em 1997. Foi o Cabernet Sauvignon Juan Carrau Orgânico, um vinho com grande personalidade e características marcantes.
Bem haja!