
“O seu guia de viagem – especialmente quando é uma edição de mais de cinco anos – vai deixar você na mão em algum momento. Os Hiltons e Sheratons do mundo, com seus bufês de café da manhã e bandas de mariachis tocando á beira da piscina à noite, provavelmente ficarão ali por toda a eternidade, enquanto lugares como o Hostel Hermano e a posada Guamanchi, que alugam quartos a oito dólares por noite, vêm e vão”.
A observação – comprovada por muitos viajantes – é da jornalista canadense Amanda Lindhout, na primeira parte de A casa do céu (Novo Conceito, R$ 34,90), que traz o impressionante relato sobre os quinze meses vividos sob o jugo de guerrilheiros somalianos, ao lado do fotógrafo Nigel Brennan, seu ex-namorado, que, por ser homem, não sofreu tantas torturas e humilhações quanto ela. Depois de libertados, os dois se afastaram, algo semelhante ao que aconteceu com os companheiros de cativeiro da ex-senadora Ingrid Bettancourt, que contou sua experiência de oito anos em poder de guerrilheiros colombianos em Não há silêncio que não termine (Companhia das Letras, R$ 46).
A casa do céu não é um livro de viagens, porém dedica suas primeiras 150 páginas às recordações de Amanda Lindhout sobre suas passagens por diversos países, numa época em que seu objetivo de trabalho era ganhar dinheiro para viajar. Sem uma atividade profissional definida, ela costumava se apresentar como viajante, o que lhe fornecia “histórias para contar, coisas que pudesse sentir orgulho de ter feito”. As viagens – e o contato com Nigel Brennan – a encaminharam para a fotografia e o jornalismo. O americano Thomas Kohnstamm também usou sua experiência prévia como viajante para abraçar a carreira de escritor de guias de viagem. O primeiro deles, que lhe pareceu de fácil execução, foi sobre o Nordeste brasileiro, região que visitara anos antes. Em
Autores de guias de viagem vão para o inferno? (Panda Books, R$ 42,90), Kohnstamm descreve o desesperador cotidiano de quem precisa cumprir prazos apertados de fechamento de trabalho, quando sua intenção original era apenas a de conhecer diferentes destinos e muitas mulheres. E a verdade: boa parte do material da Lonely Planet, que o contratou, não é verdadeira, nem fruto de pesquisas acima de qualquer hospedagem gratuita – como os escritores ganham pouco, as cortesias custeiam boa parte das viagens (que não são pagas pela editora).
Travessias marítimas sempre serviram à literatura como uma metáfora para a vida. Tempestades, perigos, sobrevivência em condições adversas, sabedoria – todas as agruras que a terra firma apresenta vagarosamente ao indivíduo surgem a cada instante dentro dos barcos que foram cenários de clássicos como O lobo do mar (Zahar, R$ 49,90 ), de Jack London, que acaba de ganhar edição comentada. Os embates entre Humphrey Van Weyden, um náufrago rico e de boa educação, salvo por Wolf Larsen, o violento comandante de um veleiro que se dedica à caça de focas, mostram um pouco do universo de London, ele próprio um viajante contumaz, que chegou a trabalhar como marinheiro. Um caso típico de arte que imita a vida, já que Jack London encarnou um pouco de todos os seus personagens, abraçando ocupações variadas, entre elas a de minerador na Corrida do Ouro.
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