por Vagner Fernandes
Há quem diga que o atual problema do Brasil é a polarização. Discordo. Cheguei a conclusão nestes últimos tempos que o maior obstáculo que enfrentamos é a omissão. Há um enorme purgatório de Norte a Sul do país que nos perturba e apavora, uma espécie de vale dos omissos. É lá que reside o perigo. É lá que está o povo recatado e do lar, mas que chafurda na corrupção. É lá que está a turma que finge ser da direita ou da esquerda e pula a cerca para o lado oponente quando um cargo de confiança lhe é oferecido. É lá que que circula o povo que levanta a bandeira da caridade, mas vai para as redes com perfil falso detonar o padre Júlio Lancellotti. É lá que está aquela gente com cara de paisagem, que senta na mesa para o café e puxa-lhe o tapete na primeira oportunidade. O omisso é a desgraça contemporânea.
Do inimigo você não se aproxima. Do falso você se esquiva. Do omisso você fica entre a cruz e caldeira, já que não consegue ter leitura de sua personalidade, do que pensa e como é capaz de agir. Eu prefiro participar de uma sessão de exorcismo de bolsominions convictos a ter de assistir a uma missa ao lado de um omisso recém-entrevistado pelo Datafolha. Não está fácil. Circular socialmente na atual conjuntura? Como? A gente tem de fazer previamente uma lista de todos os assuntos que devemos abordar sem que surja qualquer possibilidade de interpretação dúbia. Nestas ocasiões, há sempre um omisso à espreita.
Vamos falar da novela “Pantanal”? Ah, não, porque o assunto pode resvalar para o assassinato do jornalista britânico e do indigenista. “Vai politizar a conversa”, dita o omisso. Vamos falar dos eventos juninos? Ah, não, porque tem artistas impedindo o povo de se manifestar nas arenas do Nordeste. “Vai politizar a conversa”, sinaliza o omisso. Vamos falar de futebol? Ah, não, porque tem ex-jogador encabeçando a pesquisa para o Senado no Rio. “Vai politizar a conversa”, desconversa o omisso. Não temos opção. Saúde? A Covid continua aterrorizando. Educação? O ex-ministro da pasta está sendo acusado de corrupção. Economia? A Petrobras recebe o seu quarto presidente em três anos e meio.
O que fazer, então? Particularmente, tenho optado por ficar em casa para não causar ou passar constrangimentos em público. Entre paredes do meu apê posso ouvir Chico sem ser acusado de comunista. Escutar Amália sem ser estigmatizado de salazarista. Ler autores negros sem ser tachado de modista. Assistir a um filme romântico na Netflix sem ganhar a pecha de alienado. Com isso, me livro também dos adeptos da omissão. Até me dar conta do vale dos omissos, eu buscava mantê-los ainda nas minhas redes sociais quando os identificava. Hoje, eu não pestanejo: desfaço a amizade sem dó(R). Perdi a paciência com gente meia-bomba. A pandemia não transformou a minha forma de ver o o próximo. Ela apenas me abriu bem os olhos para enxergar o óbvio.