por Bruno Cavalcanti
Primeira comemoração expressiva dos 50 anos desde o surgimento do Tropicalismo, o movimento que enlouqueceu a cabeça dos puristas entre as décadas de 60 e 70, o musical Alegria Alegria, de Moacyr Góes, é, antes de qualquer coisa, um grande tributo à obra de Caetano Veloso, um dos idealizadores e principais nomes à frente do movimento.
Previamente alertado por entrevistas cedidas pelo diretor, o público que comparecer ao Teatro Santander, na Vila Olímpia, para assistir a alguma das apresentações da temporada, já saberá que o que vai encontrar é uma grande ode à obra do velho baiano. E basicamente só.
Ainda que pretenda homenagear o movimento, encabeçado por Caetano junto a nomes como Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa, o musical de Góes ignora quase que por completo a gênese tropicalista. Não há nenhum sopro dramatúrgico neste espetáculo que faça lembrar uma das melhores traduções de um Brasil que não conhecia a si próprio e negava tudo o que não dizia respeito ao contemporâneo.
Góes, também autor do roteiro, deixa de lado qualquer ambição de ir mais fundo neste conceito e limita-se apenas a apresentar uma colcha costurada por uma boa seleção de canções (que, invariavelmente, comete alguns deslizes para um musical que se pretende como homenagem ao Tropicalismo) e um ótimo time de atores-cantores.
Encabeçados por Zélia Duncan, esse time tem nas mãos a difícil missão de apresentar em cena interpretações que fiquem frente a frente com registros imortalizados no passado. Missão cumprida com louvor, graças, principalmente, aos excelentes arranjos e à ótima direção musical assinada por Ary Sperling.
O maestro conseguiu dar sua versão a alguns clássicos sem descaracterizá-los, mas sem soar reverente em demasia. Os dois números de abertura, por exemplo, são tão bem costurados que chegam a dar a impressão errada do que será o musical. O Hino do Senhor do Bonfim (solado por uma marcante Josi Lopes) e a densa Tropicália (num ótimo número conjunto) são os pontos altos do espetáculo, que entremeia os temas com alguns textos (bem) declarados por Zélia Duncan.
Assumindo a personagem de uma narradora tropicalista, Zélia na verdade está em cena como a figura camaleônica que construiu ao longo de sua carreira. Por isso é tão natural vê-la entoando temas como Caminhos Cruzados (em referência à fonte bossanovista de Tom Jobim, de onde Caetano bebeu) ou o fado Os Argonautas.
Zélia está plena em cena, mesmo a mão de um texto altamente simplista. Faltou à Góes maior ousadia estilística para conduzir um musical sobre a grande quebra estilística dos anos 60 e 70. Faltou a ele também mais critério na montagem do roteiro (é deslocada a citação do refrão A Bossa Nova é Foda durante a execução da política Haiti, num dos momentos cênicos mais impactantes do musical).
Embora se apresente como um musical em homenagem a um movimento e a tudo o que ele representou, Alegria Alegria falha no momento em que deveria se debruçar sobre o que realmente foi o tropicalismo de Caetano, mas também de Gil, Gal, Tom Zé, Mutantes e Rogério Duprat.
Moacyr Góes se deixa prender à admiração à obra do velho baiano, mas pouco faz para representar o movimento que o deu projeção (ainda que o cenário de Hélio Eichbauer, os figurinos de Fábio Namatame e os arranjos de Ary Sperling busquem este caminho). Poderia ser um grande musical, mas é apenas trivial.
SERVIÇO
Alegria Alegria
Data: 11 de maio a 09 de julho (de quinta a domingo)
Local: Teatro Santander – São Paulo (SP)
Endereço: Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041 – Itaim Bibi (Complexo Shopping JK Iguatemi)
Horário: 21h (quintas e sextas); 18h e 21h (sábados); 18h (domingos)
Preço do Ingresso: R$ 50,00 a R$ 240,00
Foto: Marcos Hermes