por Mariza Gualano
O registro do cotidiano banal, vivido mecânico e automaticamente, pode ser lírico ou trágico.
No caso do filme Paterson de 2017, dirigido pelo estadunidense Jim Jarmusch, o ator Adam Driver é um tranquilo motorista de ônibus, em Nova Jersey. Seu personagem, de nome Paterson, poeta nas horas vagas, é casado com Laura (Golshifteh Farahani), dona de pretensões artísticas dificilmente realizadas com sucesso. Embora diferentes, seu relacionamento funciona muito bem. A companheira é a única leitora e incentivadora de Paterson. Ele ama sua vida simples, sua rotina diária e vê encanto e curiosidade em pequenas ocorrências que atravessam seu caminho. O poeta desconhecido ganha a atenção e o afeto do espectador tal a delicadeza com que é construída e interpretada sua personalidade e ações.
A jovem viúva Jeanne Dielman, em atuação memorável por Delphine Seyrig, é uma dona de casa exemplar e obsessivamente perfeccionista. No filme da cineasta belga Chantal Ackerman, Jeanne Dielmann – 23 Quai du Commerce 1080 – Bruxelas de 1975, a protagonista recebe clientes em casa, enquanto seu filho está na escola. Fica claro que Jeanne vive uma realidade dura, precisa sobreviver sozinha, mas o faz sem passar nenhum sentimento. Ela cumpre com afinco e determinação as tarefas do dia a dia. O filme dedica muito tempo aos repetidos hábitos cotidianos de Jeanne, e acaba por criar uma sensação intrigante e porque não dizer desconfortável no público.
Porém, enquanto Paterson continua plácido e mantem a serenidade mesmo após alguns percalços, Jeanne Dielman, sem expressar emoção alguma na execução de suas tarefas, mostra-se incomodada com um dos clientes e ao final do ato sexual, veste-se e o mata com uma tesoura.
Ao longo dos 200 minutos do filme dirigido por Chantal Ackerman, o austero trabalho de câmera, iluminação fria e enquadramentos rigorosos, opções formais da diretora, nos induzem à reflexão através daquelas ações corriqueiras culminando com o inesperado ato final sem aparente explicação. Tudo leva a pensar.
O realizador Jim Jarmusch tem uma filmografia diversificada obedecendo aos seus padrões próprios e independentes. Paterson é um filme melancólico mas o protagonista enxerga graça no que se apresenta aos seus olhos e vê-se que celebra a vida que lhe é oferecida.
Portanto, o prosaico e o ordinário podem conter beleza e ternura ou drama e catástrofe. E faço minhas as palavras do crítico Vinícius Volcof:
“Deve ser fácil contar uma história extraordinária, difícil deve ser contar uma história extraordinariamente.”
No cinema, os iguais podem ser muito diferentes.