por Bruno Cavalcanti
O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, um dos grandes títulos do cinema clássico, teve sua excelência jogada para escanteio ao longo dos anos para dar lugar às (deliciosas) histórias de bastidor protagonizadas pelas estrelas Bette Davis e Joan Crawford, eternas rivais na vida e na arte.
Cientes da importância desta história criada pelo americano Henry Farrell, a dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, mais uma vez, assumiu o risco do pioneirismo e levou ao palco pela primeira vez no mundo o thriller psicológico sobre duas irmãs condenadas a viver juntas até o fim de seus dias. Essa é também a primeira incursão da dupla pelo teatro não-musical após quase 30 anos ajudando a revitalizar o gênero no Brasil.
O texto, burilado pelo próprio Farrell antes de sua morte, é uma transposição do roteiro cinematográfico para o tablado. Estão lá as principais falas, cenas e passagens que fizeram do filme um thriller cult ao longo de décadas. E essa foi a grande sacada de Möeller e Botelho ao montar este espetáculo de tons mais brandos que os adotados no filme.
A dupla faz uma homenagem à arte da grande tela, assumindo uma direção que remete ao teatro clássico dos grandes atores. Transpondo sua linguagem já conhecida nos grandes musicais para o drama, Charles Möeller manteve uma assinatura no que diz respeito à (competente) execução de troca de cenários (assinados por Rogério Falcão) e a metalinguagem da qual a peça abusa sem demasia (inclusive nos excelentes figurinos de Carol Lobato).
O diretor, é verdade, não inova. A fórmula utilizada para para a representação da memória das personagens, que relembram seus respectivos passados de glória e a relação conflituosa com o pai em épocas distintas, é batida. Mas é apostando no trivial que Möeller triunfa em um final que, embora já amplamente conhecido, arrebata.
Mérito também do elenco encabeçado pelas veteranas Eva Wilma e Nicette Bruno. Já experientes na arte do drama, as atrizes conseguem ressaltar o tom de suspense psicológico que o espetáculo precisa. Wilma, em especial, constrói uma Baby Jane que paira nuances de ternura, senilidade e crueldade. Um trabalho que é reproduzido à perfeição por Juliana Rolim e Sophia Valverde, que interpretam a personagem em sua fase jovem e quando criança, respectivamente.
O mesmo se pode dizer da tríade Duda Matte (criança), Rachel Rennhack (jovem) e Nicette Bruno, que constroem uma Blanche Hudson que, com o desenvolver da história, cambaleia entre a doçura, a crueldade e a dissimulação.
Mas, é importante que se diga, embora o sexteto brilhe nos papéis principais, o elenco coadjuvante insere todo um tempero que intensifica as nuances tragicômicos de cada cena. É assim com a combativa Edna, a empregada defendida por uma segura e carismática Teca Pereira, e a vizinha enxerida Sra. Bates, interpretada por uma também carismática Nedira Campos.
Aquisição desta nova temporada (o espetáculo estreou em agosto de 2016 e retornou em fevereiro de 2017), Paulo Goulart Filho se mostra seguro e versátil ao interpretar o rígido pai das garotas, o clássico diretor dos filmes estrelados por Blanche, e (seu melhor desempenho) Edwin, o pianista escolhido por Baby Jane para retomar sua (falida) carreira.
Um último ponto que deve ser ressaltado acerca da direção de Möeller é que ele não presta um tributo apenas ao teatro e ao cinema clássico, mas presta também um tributo ao próprio trabalho dividido com Botelho.
Há em O Que Terá Acontecido a Baby Jane ecos de uma de suas melhores produções: o musical Gypsy, que solidificou o nome de Totia Meirelles no alto panteão das grandes atrizes de musicais do Brasil sete anos atrás.
O drama em si é uma versão do que poderia ter acontecido às irmãs June Hovick e Louise Hovick, a famosa stripper Gypsy Rose Lee, caso June não tivesse abandonado tanto a irmã quanto a mãe Rose, que sonhava em torna-la uma estrela do teatro de variedades, para se tornar uma estrela do cinema da era de ouro de Hollywood.
O Que Terá Acontecido a Baby Jane é um grande tributo ao que de melhor se produziu no século XX no teatro e no cinema e, mais do que tudo, é uma homenagem da dupla Möeller e Botelho a sua história e à de Eva Wilma e Nicette Bruno, atrizes que se encontram em cena para deixar (mais) uma marca no teatro brasileiro.