por Bruno Cavalcanti
Se você não é necessariamente um frequentador assíduo das salas de espetáculo paulistanas, talvez o nome de Teca Pereira (em foto de Edson Lopes Jr.) não lhe seja necessariamente familiar. Entretanto, se em algum momento uma das superséries da Rede Globo já te fez ficar estático em frente a TV, o rosto dessa atriz originária do bairro da Casa Verde , na zona norte da capital, lhe será mais que familiar.
Teca acumula em seu currículo participações (realmente) especiais em séries como Amazônia – De Galvez a Chico Mendes (2007), Som & Fúria e Cinquentinha (2009), Os Experientes e Felizes para Sempre? (2015) e, mais recentemente, uma festejada ponta em Treze Dias Longe do Sol (2018), todas na Rede Globo.
Mas foi no teatro que a artistas firmou seu caminho e fez seu nome ascender em indicações a prêmios de relevância. Também nos palcos, conquistou personagens importantes e a admiração de diretores das mais diversas escolas e gêneros, como Jorge Takla, Charles Möeller e Cláudio Botelho, Paulo Pontes (com quem debutou nos palcos na icônica montagem de Gota D’Água, em 1977), Bibi Ferreira e Roberto Vignati, entre muitos outros.
“Cada diretor me ensinou alguma coisa que levo pra vida. Sou muito grata a todos que passaram pela minha carreira”, diz a veterana que já contabiliza mais de 40 anos de história. E nessa trajetória acopla uma nova personagem a seu hall de interpretações.
Teca dará vida à icônica Dona Romana, uma das personagens-chave de Eles não Usam Black-Tie, clássico da dramaturgia moderna brasileira escrita por Gianfrancesco Guarnieri e encenada em 1958 no mítico Teatro de Arena e que ganha nova montagem a partir desta sexta-feira, 20, no Teatro Aliança Francesa sob a direção de Dan Rosseto.
A personagem foi originalmente vivida por Lélia Abramo, e, na transposição para o cinema coube a Fernanda Montenegro dar voz a essa que já se tornou uma espécie de personagem-símbolo do teatro brasileiro.
“Ela é emblemática, é uma mulher lutadora”, define a atriz que declarou não ter buscado referência em nenhuma outra interprete para compor sua própria Romana. “A minha Romana é diferente, não fiz pesquisa, só a da personagem no texto, sem referência. O Dan está levando muito bem isso, porque tá dando uma nova cara pra ela”, explica.
Teca assume o papel com um peso histórico importante: é a primeira atriz negra a dar vida à Dona Romana, originalmente pensada para uma interprete negra. Mas, mais do que essa importante história racial, Teca enxerga na personagem a força de uma mulher que busca proteger sua família a todo custo.
“É união. O que a Romana procura é proteger a família, e essa proteção fortalece cada um dos elementos”. A atriz também acredita que é essa união que falta à sociedade de forma geral, o que deixa o texto – uma discussão de diferenças de classe e engajamento na luta social – ainda contemporâneo.
“O povo não tem essa união politicamente falando. As pessoas não pensam no todo, pensam no individual. Se você quiser amor, quiser manter as coisas numa ordem, é preciso união. E o povo infelizmente não tem, nós não somos unidos, não pensamos no vizinho, cada um pensa em si! Se cada um pensasse no todo teríamos mais diálogo, poderíamos conversar, colocar pontos de vista sem muito embate. Falta essa união. As pessoas não têm amor pela terra delas, apenas pelo próprio umbigo”, criticou a veterana.
Apesar de enxergar em Romana um papel altamente social, Teca também encara a personagem com a leveza de uma nova grande chance. A atriz carrega em seu currículo recente incursões por peças que lhe renderam mais do que o respeito e a admiração da crítica, a popularização do público.
Em Vanya, Sonya, Masha e Spike (2015), a atriz dividiu o palco com Marília Gabriela, Bruno Narchi, Elias Andreato, Patrícia Gasppar e Bianca Tadini sob a direção de Jorge Takla; já em O que Terá Acontecido a Baby Jane?, o palco era arena de embate entre Eva Wilma e Nicette Bruno (substituída por Nathália Timberg na temporada carioca), onde Teca, com uma participação relativamente modesta, era destaque absoluto.
“Vendo aquelas duas senhoras, uma de 84 e outra de 87, sem cansaço, sem preguiça, era uma coisa que me estimulava. Eu ficava meio cansada e eu via aquelas duas senhoras com força, com tudo, e aquilo me levantava! Eu falava: não! Isso é uma escola, as duas me ensinaram muito”, diz, tocada, em referência às octogenárias Wilma, Bruno e Timberg.
Trabalhando com Dan Rosseto pela primeira vez, Teca se diz inspirada pelo jovem-veterano diretor e dramaturgo com quem quase trabalhou em outra oportunidade no passado quando, ao lado de Miriam Palma, realizava As Decadentes (2016), performance inspirada no clássico Esperando Godot, de Samuel Beckett.
Palma deu a ideia de convidar Rosseto para orientar a montagem. As agendas não bateram e o projeto seguiu sem o paulistano, que manteve Teca em seu radar e um dia o telefone tocou. “Eu conhecia o trabalho dele, vi muitas coisas, mas não o conhecia pessoalmente. Tentamos essa parceria que não aconteceu, e eu pensei: ‘tudo bem, haverá outra chance’, e aí o Fábio (Câmara, produtor) me liga com esse convite. Estou adorando”, conta.
Embora já contabilize 41 anos de carreira, Teca se diz sempre começando de novo “não carrego nada, apenas me lembro, tem que começar de zero”, diz a atriz que faz um balanço positivo de seus anos de estrada e do arrebate que é estar no elenco da remontagem que, neste ano de 2018, comemora 60 anos desde sua primeira montagem.
“Estou maravilhada! É um momento importante, a peça está sendo encenada num momento crucial, e pra mim, todos esses trabalhos com 41 anos de carreira é super gratificante. Essa personagem vai me enriquecer muito. Todos esses anos de carreira eu sempre fiz coisas que curti, que gostei e me identifiquei. Toda a minha trajetória profissional foi maravilhosa, não tenho do que reclamar e vou sempre continuar buscando o novo” finaliza.
Eles não Usam Black-Tie estreia amanhã, 20 de julho, no Teatro Aliança Francesa, na Vila Buarque. No elenco, Paloma Bernardi, Kiko Pissolato, Adilson Azevedo, Camila Brandão, Carolina Stofella, Pablo Diego Garcia, Paulo Gabriel, Samuel Carrasco e Tiago Real.
Os ingressos custam de R$ 30,00 (meia) a R$ 60,00 (inteira). A montagem fica em cartaz até 16 de setembro, de sexta a domingo às 20h30 (sexta e sábado) e às 19h (domingo).