por Léa Penteado
Noite estrelada, estendi o lençol no fio de aço no jardim, as cadeiras foram distribuídas formando a plateia, fixei o projetor em uma escada, o notebook no banquinho mais alto, o som no mais baixo, tudo pronto para receber os amigos iniciando uma nova temporada do Cine Clip com filmes fresquinhos… Do Oscar para as telas de Santo André… Luzes apagadas, pipocas nos potes, começa a sessão com a exibição de “Spotlight”, segundo a academia americana o melhor filme de 2015, quando o telefone toca na sala. Poucos chamam este número, geralmente amigos muito próximos, a família. Corri para atender e em clima do filme no primeiro momento não reconheci a voz. Mas a notícia era contundente. Uma pessoa muito querida acabara de ser diagnosticada com Parkinson. Ouvi sobre a dificuldade na locomoção, as quedas e o estado depressivo com o resultado dos exames. Desliguei o telefone com o coração partido e voltei à plateia como se estivesse tudo ok. Este processo louco é muito meu frente às notícias ruins. Continuo firme no que está rolando em volta e preciso de um tempo para a ficha cair literalmente. E a ficha caiu no dia seguinte. Amanheci lendo tudo que encontrava na internet sobre o assunto, procurei uma amiga médica que em meio a um longo papo saiu com uma frase simples que mudou minha forma de encarar tudo isso.
“Só quem vive mais tem estas doenças”.
A mais pura verdade. Se eu só tivesse passado dos 15 anos teria apenas conhecido sarampo, catapora, caxumba, coqueluche e talvez hoje nem ouvisse falar sobre isso com tantas vacinas no mercado. Mas passar dos 70 se enquadra bem naquele trecho da música Esotérico do Gil : “mistério sempre há de pintar por aí”… Vida e morte estão no percurso… Com isso lembrei de um fato interessante que aconteceu há alguns anos na minha vila. Quando cheguei há quase 12 anos ouvi que era difícil alguém morrer, nascer era mais fácil. Contava-se nos dedos os velórios até que em um ano foram vários. E foi em um destes que ouvi do Vitório uma declaração surpreendente:
“Vou mudar daqui pois não quero que a morte me pegue”.
Vitório tinha idade indefinida. Provavelmente muito mais que 60. Negro e forte, rosto expressivo e vincado, cortava madeira na roça e vendia para fazer cercas. Mas o Ibama proibiu a poda que ingenuamente ele acreditava ser “árvores de mato”, mas eram da preservada Mata Atlântica. Com isso ele começou a vender vassouras de piaçava que fazia retirando o produto também da roça. Fazia uma porção de bicos, tomava uns tragos e saía tagarelando pelas ruas e vielas sobre a mudança que deveria fazer. Não conseguiu mudar de vila nem de vida, e não faz muito tempo partiu.
Então quando reflito sobre o tempo, lembro que a morte não se escolhe, não se foge nem se espera. Ela chega na hora certa. Até lá o melhor é pensar que somos imortais. Acredito na qualidade dos meus pensamentos e dos meus desejos, o que jogo ao mundo volta para mim na mesma proporção e sempre há alguma coisa legal que se pode fazer…Por enquanto, tá tranquilo, tá favorável !!
Léa Penteado é jornalista e escritora, mora em Vila de Santo André, em Santa Cruz Cabrália, Bahia.