por Bruno Cavalcanti
Clássico contemporâneo do teatro inglês, Shirley Valentine se destacou como uma espécie de grito de libertação feminino do final do século XX. Tendo a personagem título como protagonista, o monólogo de Willy Russell mostra uma dona de casa de classe média presa a um casamento abusivo e estagnado, e que decide deixar tudo para trás após receber um convite para uma viagem à Grécia.
Contudo, o que no final de 1980 soava como um grito libertário de uma classe feminina, em 2017 pode soar mezzo batido, mezzo (ainda) pertinente. Ciente deste fator dúbio, Susana Vieira, estrela desta terceira montagem em terras tupiniquins, não se preocupa efetivamente com qualquer tom político-liberal. Na montagem versionada e dirigida por Miguel Falabella, Vieira adota o puro e simples entretenimento. E isso não é um demérito.
Em Uma Shirley Qualquer, a atriz é a verdadeira dona da cena. O foco está completamente em sua imagem, e isso lhe dá certa liberdade para não seguir à risca texto ou marcações, provando que tem um domínio de palco impressionante e que vem se tornando cada vez mais raro no teatro dito comercial. Isso faz com que consiga driblar alguns problemas que rondam esta montagem (já entra em sua reta final no Teatro Renaissance, no Jardins.)
Embora comece bastante promissora, a versão de Falabella, à medida que se desenvolve, vai se revelando cansativa (as últimas cenas, passadas na Grécia, são as mais desinteressantes da montagem). O diretor repete piadas que, não se pode negar, são valorizadas na boca de Susana. Segue o mesmo caminho a direção.
Optar por um cenário altamente realista até parece uma boa ideia de início, mas, graças às incessantes trocas, o ritmo da peça é prejudicado, chegando a deixar o público por longos minutos no escuro à espera do novo cenário.
Mas, verdade seja dita, Susana Vieira consegue em mais de uma hora e meia driblar estes pequenos problemas e dar ao público aquilo que ele foi buscar: entretenimento da melhor qualidade. A atriz tem segurança e domínio da cena que, repito, impressionam, a ponto de não se envergonhar em deixar um ou outro caco escapar a fim de cobrir algum erro de marcação ou texto.
A atriz joga muito bem com a plateia, que já lhe deu o jogo ganho desde o início. Ela soa convidativa e afetuosa, além de abusar de um timing de comédia raro, provando mais uma vez seu tino para os papéis cômicos. E é em cima desta imagem que todo o monólogo se suporta – especialmente quando se aproxima do final.
Susana se livra das amarras de uma Shirley demasiadamente submissa e cria uma personagem de alto astral, decidida e bastante divertida – pode-se dizer, quase um alter ergo – que vez ou outra cambaleia, mas que exala determinação. E aí está o momento mais sociopolítico do espetáculo. A Shirley de Susana é a representação de uma série de mulheres da Era pós-feminismo, pós-autodescoberta e, por que não?, pós-Susana Vieira, que se sabem capazes de mudar de vida. Só lhes falta um empurrão.
É um caminho perigoso, mas que, nas mãos da atriz, mostrou-se acertado. Com um desempenho que impressiona, Susana Vieira é o que há de melhor em Uma Shirley Qualquer. E isso já vale o ingresso.
SERVIÇO:
Uma Shirley Qualquer
Data: até 02 de abril (sexta a domingo)
Local: Teatro Reinassance – São Paulo (SP)
Endereço: Alameda Santos, 2223 – Dentro do Reinassance São Paulo Hotel
Horário: 21h30 (sexta); 21h (sábado); 18h (domingo)
Preço do ingresso: R$ 100,00