por Bruno Cavalcanti
Escrito pelo dramaturgo mexicano Humberto Robles em 2003, o cabaré Nem Princesas, Nem Escravas estreou nos palcos muito antes da revolução do feminismo jovem que tem usado a internet como seu principal palanque.
Há 15 anos, ainda não havia movimentos como #MeuPrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto e o internacional #MeToo, que não apenas tirou da sombra velada a veia assediadora de Hollywood, como também deu um gosto de justiça a algumas de suas vítimas, condenando nomes até então intocáveis, como o produtor Harvey Weinstein, que de grande predador do showbizz, caiu em desgraça e viu sua carreira desacreditada internacionalmente.
É, portanto, sintomático que montado com um delay de mais de uma década o texto, sob a produção do Grupo Ornitorrinco, soe datado e até um tanto atrasado. Sob a direção de Cacá Rosset, o cabaré clássico encerrou sua primeira temporada na última segunda-feira, 09, no Teatro Sérgio Cardoso, mas deve seguir carreira em outros palcos da capital ou do Estado de São Paulo.
Nem Princesas, Nem Escravas une três histórias que, a seu próprio modo, soam empoderadoras: a profissional do sexo que entra para a política, a dona de casa que não se importa de apanhar do marido por ser a única realidade que conhece, e a executiva bem sucedida e resolvida que procura um companheiro a todo custo.
Embora sejam histórias que flertem com a rebeldia e a subversão características do Ornitorrinco, que com a montagem comemora 40 anos de atividade, a peça não surte necessariamente o efeito esperado.
Há, sem dúvida, certa graça e certo ar de uma leveza revolucionária que costuma pairar nas direções de Cacá Rosset. O trio de protagonistas formado por Christiane Tricerri, Angela Dippe e Rachel Ripani está à vontade em cena com o texto de Robles, possibilitando ao público a chance de se divertir sem medo ou cobranças da comicidade ácida da dramaturgia mexicana, que, inegavelmente, apresenta certo cansaço em seu desenvolvimento.
Ao longo de 90 minutos, o texto por vezes patina sem conseguir se desenvolver para além das velhas artimanhas dramatúrgicas. O riso por vezes se sustenta em algumas piadas rasteiras, valorizadas pelo deboche das atrizes, em especial de uma inspirada Angela Dippe, que encontra no texto da dona de casa agredida pelo marido uma forma de fazer rir por caminhos pouco ortodoxos.
Christiane Tricerri faz uma profissional do sexo bem resolvida com sua própria vida que decide entrar para a política, enquanto Rachel Ripani dá vida à ambiciosa executiva em busca de um parceiro. Talentosas, as duas atrizes acabam prejudicadas pelo texto pouco inventivo e, por vezes, preguiçoso, com soluções dramatúrgicas previsíveis e até caretas. Tudo o que o Ornitorrinco nunca foi.
A direção de Rosset não é inventiva, mas também não prejudica a montagem, que destaca a bela luz de Aline Santini. Se o cenário e o figurino assinados por José de Anchieta não são necessariamente inovadores, a trilha de Ricardo Severo comprova-se bastante servil à linguagem a qual a montagem se propõe.
Enfim, embora esteja longe de engrossar o coro de discussão acerta do empoderamento feminino contemporâneo e não chegue nem aos pés de montagens icônicas do grupo Ornitorrinco – que voltou a cantar e contar Brecht e Kurt Weil em 2017 num exemplo do melhor do que já produziu – Nem Princesas, Nem Escravas tem seu valor por reafirmar o desejo da trupe de tentar subverter, mesmo que neste caso, tenha servido apenas para reforçar o talento de Angela Dippe.