por Bruno Cavalcanti
A trágica e precoce saída de cena de Fernanda Young na manhã deste domingo após uma crise de asma e uma parada cardíaca obrigaram a imprensa pôr uma lupa sob sua obra artística que, ao longo de quase 30 anos de carreira, foi sustentada, na visão dos chamados formadores de opinião, apenas por sua inestimável contribuição como roteirista.
No audiovisual, Young escreveu, ao lado do marido e também roteirista Alexandre Machado, uma das séries mais importantes do início no novo milênio, a hilária Os Normais, sobre um casal que se pretende muito moderno, mas caba sempre caindo nas armadilhas de uma relação convencional.
Ao lado desta obra seminal, uma espécie de percussora de um humor que a própria Rede Globo foi apurando com o tempo – e que a própria Fernanda já havia assinalado na década passada, ao compor o quadro de roteiristas da série Comédias da Vida Privada -, Young criou ainda títulos como Separação?!, >Os Aspones, Minha Nada Mole Vida, Como Aproveitar o Fim do Mundo, Macho Man e o recente Shipados, entre outros.
Entretanto, a despeito de sua inestimável contribuição nas telinhas, Young também construiu sólida obra literária que nunca recebeu o devido valor por parte dos críticos e da imprensa de uma forma geral, tendo chamado a atenção, principalmente, por algumas polêmicas conservadoras, como o sexo e a citação de figuras ilustres, como Suzana Vieira.
Seu primeiro romance, Vergonha dos Pés, publicado originalmente em 1996, comprova uma influência clara de uma literatura marginal inglesa, que permearia toda a obra da romancista, que escreveria ainda títulos como o confessional A Sombra das Vossas Asas, o dolorido Carta para Alguém bem Perto (1998), o poético As Pessoas dos Livros (2000), o provocador O Efeito Urano, (2001), o excelente Aritmética (2004), o freudiano Tudo que Você não Soube (2007), o verborrágico O Pau (2009), além do artístico A Louca Debaixo do Branco (2012).
Desossou o amor ao transformá-lo em poemas de pura sofreguidão em Dores do Amor Romântico (2005), e botou o mundo feminino, o machismo e o sexismo sob olhar poético-analíticos em A Mão Esquerda de Vênus (2016).
Como pensadora inquieta, desafiou o feminismo moderno para criar sua própria linha de pensamento em Pós-F Para Além do Masculino e do Feminino, e nunca deixou de se apresentar como romancista, tendo feito sucesso justamente porque sempre se negou a parar, ou a acreditar em críticas que não dessem a real importância ou dimensão a linguagem que vinha desenvolvendo.
Entendendo que não era compreendida ela mesma imprensa que endeusou a francesa Lolita Pille por fazer basicamente o que fez Young, mas com o glamour de uma europeia frente a admiração nacional, Young se refugiou em outras formas de arte, e as fez com a mesma garra iconoclasta com a qual escrevia.
Em A Ideia, monólogo dadaísta no qual narrava verdadeira egotrip com o tom hilariante e o grau de autodeboche ao qual já era acostumada, foi criticada por aqueles que a levaram a sério demais. Assim como na música, dividindo composições com Rita Lee e Roberto de Carvalho (Hino dos Malucos, 2003), e Marina Lima (Síssi e Estou Assim, 2001).
Posou nua como forma de se afirmar frente ao machismo e continuou buscando dar passos mais largos do que a audiência conseguia acompanhar (como na debochada série de terror cômico O Dentista Mascarado), tudo para mostrar que tinha uma cabeça que funcionava mais rápido e mais a frente do que poderíamos acompanhar – tanto que seu autodeboche no programa Irritando Fernanda Young, ou na primeira formação do Saia Justa criaram estereótipos de sua imagem frente, mais uma vez, a audiência que acreditava num maniqueísmo empobrecido.
Fernanda Young saiu de cena de forma abrupta, precoce e doída, mas sua obra merece uma lupa analítica que lhe dê o espaço necessário e justo frente a monumental criação que deixou para trás. Que lhe deem na posteridade o que não tiveram culhão para dar em vida.