por Bruno Cavalcanti
Lançado em 1936, o drama A Casa de Bernarda Alba tornou-se um dos espetáculos mais aclamados do espanhol Federico Garcia Lorca, que já havia encenado títulos do quilate de Yerma e Bodas de Sangue, textos densos que, unidos ao espetáculo em questão, formaram uma santíssima trindade teatral sobre mulheres intensas, fortes e com alguma dose trágica que fugia à regra de comédias rasas acerca do mundo feminino, muito em voga no início do século passado.
Na história, Bernarda Alba, matriarca linha dura de uma família de mulheres, decreta luto de oito anos após a morte de seu marido, fechando portas e janelas. Sob o olhar crítico de duas empregadas, Alba busca comandar o destino das cinco filhas com mão de ferro, se valendo do status social conquistado da família dentro do pequeno vilarejo onde vivem.
A família se desestabiliza com a chegada de Pepe Romano, jovem galanteador que deseja se casar com a filha mais velha da família, Angústias, e desperta a paixão de outras duas irmãs, Adela e Martírio.
Na montagem, dirigida por Fernando Pivotto e encenada pelo Coletivo Inominável, em cartaz no Viga Espaço Cênico até o dia 29 de outubro, estas tensões familiares são sublinhadas, transformando o texto de Lorca numa espécie de manifesto sobre a sororidade e a cumplicidade entre irmãs.
Enxuta, a encenação trabalha com passagens que liguem o texto a certa contemporaneidade social, ressaltando o papel contestador da figura feminina dentro da família, simbolizando a sociedade patriarcal, ainda que comandada por outra mulher. Atriz gestos delicados, Carolina Froes caminha por registros fortes de sua Adela com som e fúria.
Froes constrói uma personagem de tom angelical, contrastando sua personalidade contestadora e fazendo bom contraponto à introspectiva Martírio criada por Nina Ramoz, que se sobressai da metade para o fim do espetáculo, quando sua personagem ameaça enlouquecer na caminhada entre a transgressão e o conservadorismo imposto pela matriarca, interpretada por Renata Flores.
Flores, inclusive, constrói uma Alba com poucas nuances e tom excessivamente empostado, numa interpretação que pode se delinear à medida que a temporada correr. Mas o real destaque do (bom) elenco está na figura da drag queen Alexia Twister, que dá vida à empregada Poncia.
Twister entrega uma interpretação repleta de som e fúria, fazendo de sua Poncia uma espécie de vilã que se contrapõe à figura de Alba, mas mantém uma personalidade similar, mas com mais nuances. O tom conservador de sua personagem gera delicioso paradoxo com sua interprete, que ajuda a crescer a veracidade desta montagem repleta de mensagens subliminares, como a passagem de Pepe Romano.
Apenas citado em cena, o galanteador carrega a quebra da harmonia entre as irmãs e retrará a figura masculina dentro da corrente sociedade patriarcal que, mesmo indiretamente, tem sua (grande) parcela de culpa no alastro do machismo e no atraso de pautas progressistas para a figura feminina.
Entretanto, é interessante notar que, embora evidente no texto, o interesse de Romano pela figura de Angústias (Rayssa Randi, correta em cena) não parece se resumir exclusivamente às suas posses. É jogado ao público o questionamento do interesse de um jovem galanteador por uma mulher mais velha e já sem os atributos muito em voga na época. Ponto para a direção e sua análise sutil, porém contundente.
Com cenografia simples, formada por cadeiras que constroem diferentes pontos de partida – como uma arena de guerra, por exemplo – e iluminação servil, a montagem se destaca verdadeiramente pelos excelentes figurinos pensados por Maria Celina Gil.
Com roupas formadas de cordas representando amarras sociais de uma época (ainda) muito presente, os figurinos constroem belos efeitos cênicos, se acoplando ao cenário e dando à montagem maior efeito visual.
Enfim, A Casa de Bernarda Alba, segunda montagem do Coletivo Inominável, sob a direção de Fernando Pivotto, resulta urgente e altamente contemporânea, com um elenco competente que, no decorrer da temporada, tende a ficar mais azeitado. Um espetáculo para estudo.
SERVIÇO
A Casa de Bernarda Alba
Data: 07 a 29 de Outubro (sábados e domingos)
Local: Viga Espaço Cênico – São Paulo (SP)
Horário: 21h (sábado); 19h (domingo)
Endereço: Rua Capote Valente, 1323
Preço do ingresso: R$ 20,00 (meia) a R$ 40,00 (inteira)
Foto: Paula Tonelotto