por Bruno Cavalcanti
Escrita originalmente entre 1893 e 1894, A Profissão da Senhora Warren é, a princípio, uma peça datada. A despeito da importância na obra do irlandês Bernard Shaw e da construção dramatúrgica de tom moderno, o texto parece refletir sobre temas que, no mundo contemporâneo, já não são mais pautas.
Entretanto, a impressão é uma armadilha capaz de abocanhar os mais desavisados. Na encenação, que saiu de cartaz no último domingo, 22, no Grande Auditório do MASP, a profissão da personagem-título é apenas um dos detalhes que norteiam a montagem dirigida por Marco Antônio Pâmio.
Há muito mais em discussão neste texto que põe em fricção filosofias que dariam origem a movimentos como o fordismo norte americano e la dolce vita europeia. Na adaptação assinada por Clara Carvalho (que também assume o papel-título), a ação é localizada na década de 1950, já com estas filosofias enraizadas no comportamento social de um mundo pós-globalização.
É, portanto, elástico o conceito de moral que permeia o julgamento da jovem Vivie (papel de Karen Coelho) acerca da real profissão de sua mãe: uma cafetina com prostibulos espalhados por algumas cidades europeias. Nos tempos pós-libertação sexual, os papéis se invertem.
A jovem Vivie, que em outras montagens poderia ser enxergada como a heroína que desiste de seus desejos para se focar apenas no trabalho tentando fugir da verdade acerca da mãe e de sua própria criação, soa apenas como uma jovem retrógrada – ainda que a encenação de Pâmio triunfe ao evitar qualquer julgamento de suas personagens.
Nenhum dos perfis criados por Shaw entra em conflito com suas próprias crenças na encenação. Pelo contrário, todos sublinham, sem julgamento externo, seus caráteres. Se o inescrupuloso Crofts tende a soar maniqueísta (ainda que não caia nesta armadilha graças a seu safo interprete, Sergio Mastropasqua), o bonachão Praed também cai em certo lugar comum conquistando de imediato a simpatia da plateia.
Mérito de Mário Borges, interprete de Praed e um dos destaques dessa montagem, que une em cena um dos elencos mais uniformes da temporada. Se Cláudio Curi e Caetano O’Maihlan parecem render menos que seus colegas – com construções sem viço ou apostando em certos lugares comuns das personagens que lhes foram confiadas – Karen Coelho e Clara Carvalho elevam a montagem a outro patamar.
As atrizes protagonizam embates com raríssima segurança – mesmo para espetáculos em fim de temporada. Carvalho desconstrói sua imagem praticamente imaculada de elegância cênica para criar uma Senhora Warren repleta de registros histriônicos sem jamais deixar que resvale no lugar comum.
Safa, a atriz consegue desconstruir sua imagem sem deixar de lado a história que construiu como uma das principais atrizes do grupo O Tapa. Se reinventa sem precisar se anular. Karen Coelho, por sua vez, tem um desempenho igualmente notável, mesmo trabalhando com nuances menos perceptíveis.
A atriz exala segurança, ainda que pareça desperdiçar passagens da transformação de sua personagem. O embate final com Carvalho é um dos melhores momentos do espetáculo, mérito também da direção certeira de Pâmio, que não deixou que as atrizes caíssem no lugar comum de buscar uma humanização forçada das personagens.
Enfim, ainda que tenha seus acertos – como a delicada trilha de Gregory Silvar e o sóbrio desenho de luz de Caetano Vilela – e erros – o figurino plácido de Fábio Namatame – A Profissão da Senhora Warren se impõe como um dos grandes espetáculos da temporada graças a seu elenco praticamente uniforme e suas nuances históricas que permeiam desde o didatismo das encenações datadas até a contemporaneidade.
SERVIÇO:
Este espetáculo está fora de cartaz.