por Angela Dutra de Menezes
Amanheci sofisticada, prefiro perguntar em francês: qui sont les Vandales?
Antes de mais nada, uma injustiça histórica. Os Vândalos, provavelmente oriundos da atual Noruega, não foram nem mais nem menos violentos do que os outros bárbaros germânicos, que, ao invadir a Europa, causaram estragos de bom tamanho. Afinal, estamos falando do século V depois de Cristo. Não podemos esperar que essas tribos cultivassem boas maneiras e, além de saber usar talher de peixe, tivessem noção do valor da vida humana e da propriedade privada. Entravam na terra alheia, desciam a porrada, quebravam tudo, tornavam-se os novos donos. Ponto final. Igualmente violentos foram os Visigodos, os Ostrogodos, os Suevos e os Alanos, garotada que também fez História. Inclusive a nossa, particular. Andaram pela Península Ibérica e os Alanos, gente fina, ensinaram aos lusitanos – que ainda não sabiam ser lusitanos – o gosto pelo trabalho agrícola. Que herdamos, voilá. Para o bem ou para o mal, não somos o celeiro do mundo?
Toda esta conversa fiada é para comentar que ontem, assistindo a transmissão do quebra-quebra no centro da cidade do Rio de Janeiro, escutava, a cada dois ou três minutos, o jornalista que narrava as ocorrências afirmar: “os vândalos fizeram isso, os vândalos fizeram aquilo, agora os vândalos correram para Lapa”. Vândalos, Vândalos, Vândalos. OK, este nome entrou na língua portuguesa como sinônimo de, entre outras coisas, “quem ou aquele que estraga ou destrói bens públicos, coisas belas, valiosas, históricas etc.” (Houaiss, 2009). Mas, em minha opinião, deveríamos chamar a garotada sem noção, que estraga o prazer de quem protesta com calma, de Visigodos. Afinal, foram eles, os Visigodos, que introduziram em nosso idioma a palavra “guerra”. Não seria mais honesto? Mais de acordo com a tradição histórica? Ah, esta conversa é longa e esconde novidades interessantes. Um dia escreverei sobre o encanto dos vocábulos que são nossos, mas nasceram em impensados cantos do mundo.
Voltando ao que interessa. Já que é guerra, culpemos os Visigodos. Ou, então, tratemos de generalizar e denominemos os valentões de… Bárbaros. Assim, genericamente. Não seria injusto com ninguém. Nem com os povos antigos que incendiaram a Europa, nem com os Vândalos, coitados, transformados em periquitos históricos: todos comeram milho e eles, sozinhos, carregam a fama de maus. É verdade que, em 455, os Vândalos, durante duas semanas, saqueram Roma, a Washington da época, com a gentileza possível. Apesar das dificuldades de comunicação, este fato provocou enorme comoção no Império. Não é difícil entender. Basta, num exercício de imaginação, transportamos esta realidade para os dias de hoje. O resultado seria o fim do mundo numa chuva de ogivas nucleares. Disparadas pela PM norte-americana, of course.
Também afirmo que, quando os Vândalos aliados aos Alanos decidiram construir uma frota – gente, falamos do século cinco, esta gente era o máximo – para cruzar o Estreito de Gibraltar e se estabelecer no Norte da África, nós, brasileiros, vivemos um momento de inflexão em nossa História – já explico. Em 534, Vândalos e Alanos foram trucidados pelo exército de Justiniano que, nesta altura da vida, aliara-se aos Ostrogodos. Eis uma nova explicação de meu insistente pedido para que os Black Blocs não sejam chamados de Vândalos. Se os Ostrogodos derrotaram os Vândalos, os Black Bloc são Ostrogodos e não Vândalos. Deu para entender?
Plim, Plim, informação cultural: o imperador Justiniano, para quem não lembra, foi o autor do “Código Justiniano”, que influenciou decisivamente o Direito. Ao menos, o Ocidental. Mas Justiniano também foi um grande general e, além de impedir a dissolução do Império Romano, esmagou as revoltas do Norte da África com mão de ferro. Pronto, Vândalos e Alanos foram para o brejo.
Então, estamos conversados. Vândalos não é a melhor expressão para definir este grupo que ninguém sabe de onde saiu. Os Black Blocs podem ser agentes do governo infiltrados para desacreditar as manifestações, anarquistas de fé, pessoal contra o governo para desacreditar a próprio, garotos mal educados e sem ter o que fazer, traficantes se vingando das UPPs. Já ouvi N explicações, não sei em qual acreditar.
Pessoalmente, considero estes bárbaros, ora denominados Vândalos, seres inoportunos. A Polícia, em vez de combatê-los violentamente, deveria prendê-los de uma vez. Assim, nós, os realmente insatisfeitos com a política brasileira, conseguiríamos voltar às ruas na mais calma e santa paz.
E eu, oficialmente, requereria que este grupinho fosse batizado de Ostrogodo, o povo que derrotou os Vândalos. Se não tivessem derrotado – e como parte deles ainda vivia na Ibéria – a gente podia ter o IDH igual, ou quase igual, ao da Noruega.
Viram como a História dá voltas e por que o nosso sonho acabou sem sequer ter começado?
Maldito Justiniano…
Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista