por Anna Ramalho
A deliciosa live que fiz na quarta-feira, 23, com o casal de escritores Heloisa Seixas e Ruy Castro, no Facebook, terminou com curiosa declaração do Ruy: “Se eu pudesse escolher, queria ser o João Luiz de Albuquerque.”
Eu também.
Como o desejo pode ser incompreensível para muitos leitores, vou aqui tentar resumir nessas mal traçadas quem é esta figura, assim, tão inspiradora. João é único, não tem similar.
É brilhante, mas posa blasé sempre e ainda se faz de bobo se precisar. Foi assim que conseguiu grandes furos na sua vida de jornalista – que foi, aliás, pontilhada por longas ausências. De vez em quando, ele cismava e passava uns tempos na Guatemala, cidade natal da mulher mais importante que cruzou a sua vida, minha sempre saudosa e amada amiga Elba. Ele dava uma elza no empregador da vez e ia com Elba e suas duas meninas – Gabriela e Cristiana – para uma visita à cidade da mulher. Cansou de contar a história fake que tinha conhecido Elba numa feira de rua vendendo pimentas numa cesta pousada entre as pernas abertas, como aquelas folclóricas índias que vemos nos filmes . Elba não se abalava. Nunca se abalou com nenhuma das maluquices. Eles se conheceram em Washington, onde ela estudava e ele era correspondente da Manchete na Casa Branca. Só a morte os separou.

Parece foto de Cem Anos de Solidão: na latinidad total, o guapo João Luiz e sua amada Elba com las niñas Gabriela no colo do pai e Cristiana com a mãe
Foi embora muito cedo essa minha amiga, a única a impor respeito naquela casa, o apartamento na Barra, vizinho ao meu, onde íamos juntos à praia, à piscina, nossas crianças eram pequenas e a vida, uma beleza. Fim de semana a gente alternava: almoço ou drink na casa dele ou na minha, nossos amigos se conhecendo e formando uma rede respeitável de afetos. Foi na casa deles, aliás, que conheci o Ruy Castro, o Ronaldo Bôscoli, o Mièle, sem nunca esquecer da mãe dele, D. Lucy, uma figuraça. Elba cozinhava divinamente – sinto até hoje o gosto de seu feijão com chili. Bebíamos todas, ríamos muito e saíamos bastante também. Naquele tempo a gente saía da Barra pra Ipanema, Leblon, onde ficavam nossos points do coração: a Plataforma, o Antônios, o Jangadeiros, o Álvaro’s, o Degrau…
Elba tinha uma profunda compreensão da persona única de nosso herói e nunca o aporrinhava com questões banais. Quando o Walter Clark caiu da direção da TV Globo, João logo ficou sabendo e avisou: “Tô indo pro Antonio’s. Não tenho hora pra voltar.” Chegou em casa o dia seguinte já ía alto. E fez a mais completa e brilhante matéria sobre a queda do mais famoso executivo da TV brasileira para a revista Isto é.

Elba na direção e as crianças no legendário Buggy vermelho que “viveu” décadas
Foi também para a Isto é que ele cobriu a posse do General Figueiredo na Presidência da República. Como ele sempre detestou política, foi destacado para cobrir a recepção no Planalto. Nunca esquecerei a frase de abertura da reportagem: “Parecia a carga da brigada ligeira: não sobrou camarão sobre camarão.”
É desses pequenos detalhes que se fazem as grandes matérias e João é mestre nisso. Foi como mestre, aliás, que o conheci, quando ainda estudava jornalismo na PUC: ele foi convidado a dar uma aula de entrevista coletiva na nossa turma. Arrasou e abafou. Era um bonitão.

João Luiz fazendo a social antes da pandemia, num desses coqueteis da vida
João também arrasou e abafou na primeira edição do Sugar Loaf Carnival Ball, do inesquecível Guilherme Araujo. A Revolução Islâmica estava no auge em 1979, os xiitas se engalfinhando com o povo do Xá Reza Pahlevi, e João virou notícia na imprensa mundial ao ser fotografado perfeitamente caracterizado como o dito Aiatolá. No ano seguinte, foi de Papa. No outro, quase morre asfixiado com a máscara do Snoopy. Pra variar, socorreu-o Elba, que saiu da Urca para a Barra levando o avantajado pet desmaiado no Buggy vermelho, outra instituição da família Albuquerque.
João é tricolor doente. Christiano, meu filho, idem. Quando era pequeno, João brincava de “monstro das águas” com ele na piscina. Chris passou a infância chamando o João de monstro – e a Elba, de Dona Elba. Respeito que ela impunha sem querer, talvez pelo contraste com esse marido tão irreverente. Ele andou muito nesse Buggy comemorando as vitórias do Fluzão com seu monstro preferido e a Elba sempre riu do “dona” do Chris.

O tricolor João em dois tempos: com Carlos Leonam, ano passado, e há décadas com os profissionais Flávio, Denilson e Toninho Clemente; e a turma amadora, mas charmosíssima: Hugo Carvana, Ronaldo Bôscoli e Carlos Leonam, que fundaram o Jovem Flu. Nessa, João entrou de fotógrafo
Nossos filhos cresceram juntos, as meninas estão sempre por perto de mim, são uns amores, e ele, de vez em quando, aparecia. Agora, estamos todos confinados. João não gosta de redes sociais e pra ter telefone celular foi uma luta. Tem 83 anos, mas a idade funciona pelo avesso dos números: 38 é mais condizente com a figura.
Assitiu à live do Ruy e da Heloisa. Escondido sob o pseudônimo de Jota Baker – uma das contas da filha Gabriela.
Te amo, João Luiz de Albuquerque – e faço questão de deixar isso por escrito junto com essa crônica que dá testemunho de vida.