por Rogeria Gomes
A cultura não enfrenta seus melhores dias. É um fato indiscutível. A despeito da pandemia, que causou drásticas consequências, há muito o setor vem driblando inúmeros desafios. A retomada acontece gradativamente. Ninguém poupa esforços. Todos na batalha diária, no enfrentamento, na disposição, na luta.
As leis que amparam a cultura, entre elas a Rouanet, que configura a mais importante ferramenta de estímulo à cultura do país, são pilares que ajudam a fomentar a cultura em suas diferentes aptidões. Existem para amparar, colaborar e somar à produção cultural. Esse é o mote. A economia criativa é uma das áreas que mais emprega no país. Fato pouco divulgado.
A cultura traduz beleza, ânimo, pluralidade, o lúdico, o indizível, o pensamento, a vida. A história de um povo. De uma nação. Nos torna legítimos. Isso parece não combinar com a estapafúrdia declaração do ex-secretário de Fomento à Cultura, Andre Porciúncula, que recomendou aos participantes da Lei Rouanet que usassem 1,2 bilhões para produzir conteúdo a favor da política armamentista. Segundo ele, tais realizações culturais contribuem para a ‘liberdade humana’. Mais ainda: defendeu o uso de armas de fogo contra o que chamou de ‘criminalidade contra o Estado’ e seu uso como processo de garantia da civilização. Mas o que significa civilização? De que se trata a liberdade humana? Certamente essa abordagem suscita uma cartilha completamente oposta a quem faz e sabe o que significa cultura. É algo perceptivelmente contraditório ao que a cultura representa e a qualquer sentido civilizatório. São caminhos diametralmente opostos. Chega ser afronta a qualquer cidadão de bem que reconhece o valor da cultura como elemento transformador, social e humano. Leva-nos a crer que realmente vivemos tempos mais obscuros do que poderíamos supor. Uma completa distopia.
Paradoxalmente essa declaração foi feita na semana em que se comemora o dia mundial do livro. Talvez seja hora de se questionar Monteiro Lobato: “um país se faz com homens e livros” e renegar o que afirmou Dostoiévski; “o homem que consegue reunir recordações está a salvo para toda vida. E se apenas guardar uma no seu coração, pode ser que lhe deva a salvação”. Possivelmente Lobato e Dostoiévski eram desvairados. E por conta do meu devaneio acolho e acrescento à ideia de Lira Neto: abracemos a subversão de ler, ir ao teatro, a exposições, dançar, ouvir música, concertos, sorrir… Enfim, cultivemos a subversiva alegria da felicidade, da liberdade, do pensamento, do amor, da utopia, da cultura como ela de fato é. Não vamos sucumbir. A cultura é salvadora.
*Foto Internet