por Bruno Cavalcanti
Texto escrito pelo filósofo e diplomata inglês Geoffrey Chaucer ainda na Idade Média, A Mulher de Bath entrou para a história basicamente como um dos contos que compunha Os Contos da Cantuária, compilação de obras inacabadas que se tornou documento sine qua non para o entendimento e modernização da língua inglesa – refletindo na forma que é falada e escrita ainda hoje.
Alçada a dramaturgia ao ser descoberta por Maitê Proença, A Mulher de Bath se propõe, como anuncia a própria atriz e idealizadora do projeto, uma obra feminista pioneira, ainda que escrita por um homem e ainda que há muitos séculos de distância de sua concepção literária e filosófica por Simone de Beauvoir.
De fato, para um texto escrito na Idade Média e por um homem, pode-se dizer que A Mulher de Bath é sim uma obra que foge ao conservadorismo histórico, ao pôr na boca de uma mulher ações de poder e de manipulação sem um ar de vilania, mas sim de sobrevivência.
Alice, a personagem deste conto transformado em dramaturgia, expõe ao público seus truques e artimanhas para sobreviver a casamentos abusivos e perigosos e para se manter no controle em relações de disputa de poder, fazendo valer sua vontade acima dos desejos patriarcais.
Para tanto, usa de tramoias que envolvem basicamente a sedução sexual, o que já não conversa com o feminismo contemporâneo, mas inegavelmente se fez valer durante muitos anos dentro de um feminismo conhecido por gerações anteriores.
Mas, a despeito do tema e de suas atribuições, o que realmente vale em A Mulher de Bath é a estética teatral proposta por Amir Haddad. Em busca da eterna linguagem da negação do teatro como se conhece, Haddad encena o texto abrindo mão de qualquer artifício imposto pelos livros de estudo, como a caixa preta, a quarta parede ou qualquer artifício que faça da peça uma espécie de acontecimento para além do expectador.
Naturalmente o artifício não é novo, mas ao pôr Maitê para explicar e contextualizar ao público que lotou o Teatro da Faap no último sábado, 31, para assistir a penúltima apresentação do espetáculo em terras paulistanas, do que a peça irá tratar, e os caminhos escolhidos para contar aquela história, o diretor faz ótima jogada. Não apenas por aproximar a plateia da figura da atriz, mas também pôr explorar seu (impressionante) carisma.
É inegável que deixar que ela tenha um papo franco antes do chamado “início do espetáculo” é um artifício competente para aproximar a plateia de uma encenação de texto pouco acessível e sem as artimanhas cênicas as quais o teatro moderno se utiliza para fazer com que a magia aconteça.
Com rimas pouco óbvias e caminhos linguísticos menos confortáveis, provenientes da elegante tradução de José Francisco Botelho, o texto é embocado com rara naturalidade por Maitê, provando que, de seu encontro com Haddad, foi extraído o melhor da atriz, que está à vontade em cena, embora não desconstrua a imagem da beleza intocável criada pela televisão.
Ainda que, a determinados momentos, assuma certo tom professoral, Proença consegue atingir o patamar de um papo descompromissado com a plateia em um monólogo com eventuais (e desnecessárias) intervenções de Alessandro Persan. A atriz conquista um de seus melhores momentos em cena, embora não consiga superar ainda seu excelente desempenho no anterior À Beira do Abismo me Cresceram Asas.
Embora tenha saído de cena em São Paulo, A Mulher de Bath segue para terras cariocas e depois da continuidade a turnê iniciada em 2017 por outras capitais e cidades brasileiras.
Não é, bom afirmar, um manifesto feminista pré-Simone de Beauvoir, tampouco uma peça transgressora que abale os alicerces do teatro contemporâneo, mas enquanto estética teatral é uma proposta rica e, acima de tudo, corajosa, ao despir de qualquer artifício cênico uma montagem que, a risca, tem apenas Maitê Proença como principal chamariz. E, a considerar seu desempenho na sessão acompanhada por esta santa coluna, já vale o espetáculo.
SERVIÇO:
A Mulher de Bath
Data: 06 a 29 de abril (sexta a domingo)
Local: Teatro XP Investimentos – Rio de Janeiro (RJ)
Endereço: Av. Bartolomeu Mitre, 1314 – Leblon
Horário: 21h (sexta e sábado); 19h (domingo)
Preço do ingresso: R$ 40,00 (meia) a R$ 80,00 (inteira)