por Jorge Pontes
O trágico assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes chocou o Brasil. Chocou pelo fato de tratar-se de uma parlamentar e também pela covardia e audácia dos criminosos.
Em que pese o sofrimento dos familiares das vítimas, o momento não nos permite escapar de reflexões mais profundas.
Nossa cidade chegou ao fundo do poço, e o crise da segurança pública é o retrato mais fiel dessa situação.
Se tivéssemos de buscar responsáveis por essas e por todas as centenas de mortes violentas que ocorrem diariamente em nossa sociedade (61.000 homicídios registrados por ano no Brasil), me arriscaria a apontar unicamente a corrupção política como pivô, como a mãe de todos os males.
Não temos governantes, em nenhum dos três níveis da administração pública, que tenham competência e envergadura moral para ministrar os remédios certos para o combate à criminalidade comum, às milícias e ao tráfico de drogas. E nem estou mencionando o crime institucionalizado, que é perpetrado pela própria classe política.
As medidas que observamos são tomadas sem profundidade alguma, quase sempre com viés eleitoreiro. Vejam que no mesmo dia em que Mariella e Anderson foram abatidos a tiros, o Presidente Michel Temer anunciava que a intervenção militar terminará no mês de setembro, coincidentemente um mês antes das eleições.
Reparem que a intervenção militar foi divulgada pelo governo com grande cobertura da mídia, mas até agora não sentimos na prática qualquer melhora na sensação de segurança na cidade.
Por outro lado, entendo que a crise de segurança pública só poderá começar a melhorar quando a questão da ideologia for retirada da mesa de discussões.
Os brasileiros querem é solução, e para iniciarmos o processo de busca pelas soluções temos que entender de uma vez por todas que a sociedade é a vítima dos criminosos, e não o contrário.
Portanto, o problema de segurança pública hoje tem um fortíssimo viés ideológico. E a sociedade precisa com urgência repactuar justamente esses pontos.
Como trabalhei muito tempo na área de repressão aos crimes ambientais, incorporei, quase que como um cacoete, conceitos de sustentabilidade, os quais entendo como aplicáveis em outras searas, inclusive em segurança pública e em políticas criminais.
Por isso, não vejo como sustentáveis (e positivas) as atuais políticas que assumem a possibilidade de ressocialização de todo e qualquer criminoso.
Há um tipo de criminoso que é irrecuperável. Ou, talvez, de recuperação tão custosa e difícil, que a sociedade não observa benefícios em financiar e suportar esses programas de ressocialização.
Para esses a sociedade começa a pedir isolamento e pena exemplares, para que todos os demais se sintam intimidados.
Não reagir à altura com tais criminosos nos faz, grosso modo, responsáveis pelas inúmeras vítimas que estes farão no futuro.
Enfim, é o embate ideológico na discussão da segurança pública que vem nos impedindo de avançar.
Faço votos que tragédia da vereadora e de seu motorista não sirvam para engrossar ainda mais esse caldo ideológico, bem como espero que o aparelho policial técnico-investigativo não descanse enquanto não apurar sua autoria.
Jorge Pontes é Delegado de Polícia Federal e foi diretor da Interpol