por Olga de Mello
Férias combinam com viagens. Como nem todos podem sair mundo afora, a alguns resta desbravar o planeta através da leitura, o que, no Ocidente, tomou vulto em torno de 1270, quando o comerciante italiano Marco Polo publicou Viagens, contando as maravilhas que viu na China. Surgia, então, um dos mais populares gêneros literários da atualidade – o livro de viagem, que se distingue dos guias turísticos por não se limitar a enumerar pontos que merecem visitas, mas por tentar seduzir o leitor, transmitindo as sensações de encantamento vivenciadas pelo autor ao travar conhecimento com outros povos e outras terras.
Livro de viagem que se preza guarda um certo tom antropológico ainda que amadorístico, preocupando-se em desmistificar lendas sobre os perigos que os costumes dos nativos de outras paragens possam vir a oferecer para o leitor “civilizado”. Esse estranhamento permanece até hoje, desafiando os tempos politicamente corretos que pretendem derrubar o conceito de exotismo. Isso é comum a relatos de aventureiros contemporâneos, como o do jornalista brasileiro João Fellet autor de Candongueiro – Viver e viajar pela África (Record, R$ 52,90), ou a impressões de outrora, entre elas as estão em Mulheres viajantes no Brasil (José Olympio, R$ 25), organizada por Jean Marcel Carvalho França. As três jovens europeias que acompanharam os maridos em passagem pela então colônia portuguesa entre 1764 e 1820, mostraram em diários e cartas o entusiasmo com a exuberância da natureza nos trópicos e a calorosa acolhida pelos moradores do Rio de Janeiro e de Salvador, que compensavam a precariedade das ruas e estradas da época. Algo semelhante ao percebido por João Fellet, que morou durante um ano em Angola, de onde saiu para percorrer dez países africanos, áreas quase totalmente desligadas da vida globalizada.
O livro de viagem tem sua galeria cult de autores consagrados, que, volta e meia, registram suas andanças, sem tanto compromisso em produzir literatura. No entanto, a diferença dos relatos de outros viajantes é que esses são textos de rara beleza. Em O Colosso de Marússia (LP&M, R$ 14), Henry Miller se mostra deslumbrado pela Grécia, que conheceu em 1939, afirmando que o país sempre guardará sua beleza, “mesmo que tenha a desgraça de ser invadida por turistas americanos”. Com O Grande Bazar Ferroviário (Objetiva, R$ 63,90), o americano Paul Theroux tornou-se uma referência no gênero ao narrar uma travessia, em 1975, de Londres ao Japão, trajeto que repetiu 30 anos depois e resultou em Trem Fantasma para a Estrela do Oriente (Objetiva, R$ 59,90).
Outro segmento dentro da categoria é o que trata de choques culturais, temperados com algum humor decorrente dos habituais problemas que acompanham mudanças – de país, de cidade, de tipo de vida. Lançado em 1992, Um ano na Provence (Rocco, R$ 32), em que o inglês Peter Mayle falava das agruras da reforma de sua casa na França, vendeu, nos últimos 20 anos, 7 milhões de exemplares no mundo todo. A fórmula foi seguida com sucesso pela americana Frances Mayes que, depois de relatar os dissabores da recuperação de uma villa no best-seller Sob o Sol da Toscana (Rocco, R$ 45), também se especializou em descrever as delícias de sua rotina italiana, com títulos como o que chega esta semana às livrarias brasileiras: Todos os dias na Toscana – As quatro estações de uma vida italiana (Rocco, R$ 39,50).
Neste, Frances se estende sobre a gastronomia local, um dos destaques de Mil Dias em Veneza e Mil dias na Toscana (ambos da Sextante, R$ 24,90 cada um), de Marlena de Blasi, jornalista americana radicada na Itália. Outra divertida e fascinante crônica de mudança é A Casa do Califa (Roça Nova, R$ 56), do inglês – descendente de afegãos – Tahir Shah sobre a epopeia da restauração de um palacete onde foi morar com a família – ao lado de uma favela em Casablanca – quando entre múltiplas peripécias, precisaram contratar exorcistas para expulsar demônios, que, segundo os empregados, assombravam a casa.
Olga de Mello é Jornalista, carioca, escreve para sites, jornais e revistas principalmente sobre cultura, que considera gênero de primeira necessidade.
Blogs: www.arenascariocas.blogspot.com e estantescariocas.wordpress.com