por Olga de Mello
“Para começar, olha quanto livro. Lá estavam seus comances de Edith Wharthon (…); o conjunto completo de Henry James (…); um monte de Dickens, uma pitada de Trollope, além e boas doses de Austen, George Eliot, e das temíveis irmãs Brontë. (…) Lá estavam os romances de Colette que ela lia às escondidas”.
O parágrafo inicial de A trama do casamento (Companhia das Letras, R$ 54,90), de Jeffrey Eugenides, indica qual é o leitor que o autor quer atingir. É o amante de literatura, aquele que vai se encantar com um livro salpicado de referências bibliográficas que o farão sorrir ao reconhecer trechos de obras nem tão de domínio público assim. Estabelecida a cumplicidade entre leitor e escritor, desenvolve-se a narrativa sobre a geração branca, esclarecida e desiludida dos anos 1980, que tem acesso a uma educação de alta qualidade, mas nenhum preparo para a banalidade da vida real. É exatamente neste ponto que o leitor, até então crente que leria um livro sobre apaixonados por literatura, se vê enredado nos dilemas existenciais de uma especialista em autores românticos do século XIX e sua inadequação em um mundo cada vez mais distante dos ideais vitorianos. O cotidiano está distante da fantasia, porém a alternativa a ele é isolar-se na depressão, parece dizer Eugenides, que se destacou nos anos 1990, com As virgens suicidas (Companhia das Letras, R$ 44,90), a melancólica novela sobre cinco irmãs adolescentes na década de 1970, adaptada para o cinema por Sophia Coppola.
É também aos admiradores de literatura, particularmente, de mistério, que Laura Lippman destinou Em uma cidade estranha (Record, R$ 49,90). No sexto romance sobre a investigadora Tess Monaghan, o culto à figura de Edgar Allan Poe é quase um traço de cidadania para os moradores de Baltimore, por onde perambula a detetive. Misturando personagens, nomes, passagens e objetos das histórias de Poe com assassinatos, homofobia e rituais que homenageiam o escritor, Lippman apresenta a cidade como elemento participante da trama, que não chega a ser uma das mais inspiradas da autora. No entanto, uma leitura que vale, principalmente, pelas referências e curiosidades a respeito do genial Poe, que permanece reverenciado por suas criações, dando, inclusive seu nome, Edgar, à mais importante premiação da literatura policial.
Desde a morte de Ruth Rendell, a irlandesa Tana French é apontada como forte candidata ao posto de Rainha do Crime da literatura de mistério britânica. Vencedora do Edgar, entre outros prêmios, por seu romance de estreia, No bosque da memória (Rocco, R$ 39,50), Tana French tem uma série de histórias de suspense sobre a Divisão de Homicídios de Dublin. O canto dos segredos (Rocco, R$ 64,50) leva um casal de detetives a um internato para investigar o assassinato de um estudante, cuja foto, com um bilhete enigmático, é afixada num quadro de avisos onde as alunas deixam recados anônimos. A morte do rapaz aconteceu um ano antes da foto surgir no chamado Canto dos Segredos, e os investigadores têm pouco tempo para conquistar a confiança e romper os laços de lealdade de um grupo de adolescentes, todas suspeitas do crime. A ação deslocada para um local afastado e protegido do “mundo lá fora” não evita a inveja, o perigo e os preconceitos da vida contemporânea, transpostos para o microcosmos da escola de moças de classe média alta.
Boas leituras para começar o ano de 2017.