Foi uma delícia o encontro das minhas meninas do Santa Úrsula, quinta passada. Noves fora um ou outro exagero no Botox e nas puxadas de plásticas
muito evidentes, estamos todas ótimas nos nossos 60 e tal. Sobretudo estamos espertas – ainda que aqueles infernais irmãos alemães, o Alz e o Heimer (toc, toc, toc) – nos metam naquelas ciladas típicas de não lembrar o que comemos no almoço, mas lembrarmos da Ladainha de Nossa Senhora.
Foi uma noite alegre, de boa comida, boa bebida, incontáveis gargalhadas, muitas poses para fotos – oficiais ou não. Uma saudável viagem no túnel do tempo.
Lá pelas tantas, cada uma falava um pouco, a Lina – em seu côté peço a palavra – fez um breve speech, e depois, informalmente, cada uma lembrava de alguma história, das bagunças, das risadas. Tudo de bom.
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Estávamos em São Conrado, no lindo apartamento da Miriam, o que já bastou para cutucar a minha memória para um lance hilário que todas vivemos num célebre retiro espiritual, logo no início do ginásio. Naquele tempo, São Conrado era, como a Barra, um lugar ermo, com zero de movimento, onde meninas de família só iam, como nós fomos, para a Casa dos Padres, lá no alto da Rua Capuri – lugar que, anos mais tarde, se não me engano, virou concentração de jogador de futebol. Enfim: para lá rumamos, a bordo do ônibus conduzido por Seu Aloísio, e com pelo menos meia dúzia de freiras pra tomar conta da gente.
Nas malas, quantidades de biscoitos e balas, tudo devidamente malocado, porque retiro é retiro e qualquer prazer, por supuesto, cancelado. E,
naquela altura, adolescentes bobocas que éramos, prazer era comer biscoito, bala e cara alegre. Prazeres da carne? Nem pensar, coração!
A vista da casa, espetacular, tenho até hoje nas tais retinas cansadas. Uma coisa! O Rio a nossos pés – evidentemente, sem os arranha-céus de hoje. Mas o programa espiritual era puxado e nem a vista a gente podia apreciar direito.
Ficamos duas a duas nos quartos ( Laura era minha companheira, ela se lembrou) e tínhamos um código: bater nas paredes na hora em que achávamos que podíamos nos trancar nos quartos umas das outras para comer os tais biscoitos e balas e debochar das freiras e dos ensinamentos religiosos que estávamos recebendo. Uma Imitação de Cristo mais moderna, porque naquela época, para as avançadas ursulinas que eram moderníssimas comparadas às demais congregações, a Imitação já era meio démodée.
De manhã cedíssimo, tínhamos que pular da cama para a missa e – o que mais detestávamos – a pregação espiritual do Padre Barros, que nos chamava a todas de “minhas filhinhas” e mandava ver na falação. Um dia, no entanto, ele conseguiu prender a nossa atenção: foi quando contou a história de Santa Maria Goretti, mártir da Igreja, que morreu resistindo ao assédio de um camponês italiano. Isso passou-se no interior da Itália, logo depois da Primeira Guerra. Era, portanto, uma mártir recente. E a história, incrível: Maria Goretti morreu a tesouradas ( o sujeito era jardineiro), defendendo sua virgindade. O Padre Barros deitou e rolou pra contar essa história. E arrematou, empolgado: “Minhas filhinhas, vocês têm que ser como Maria Goretti! Só entreguem sua virgindade ao homem com quem se casarem! “ Ficamos todas tão impressionadas que, à noite, enquanto traçávamos as balas e biscoitos, só dava Maria Goretti.
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Terminado o retiro, depois de muita confusão porque uma noite fomos descobertas por uma das freiras, voltamos à vidoca de sempre no colégio. Um dia, entra pálida na sala, a Beth Cabal. Andando a pé pelo Canal do Leblon, onde morava, viu aproximar-se um daqueles tarados exibicionistas. Ela contava para nós, todas boquiabertas: “Saí correndo como uma louca! Na hora da aflição, gritei valha-me Maria Goretti, mártir da virgindade!!!”
Apesar do trágico da história, não teve jeito: caímos na gargalhada. Valeu, Santa Maria Goretti!