por Bruno Cavalcanti
É inegável que o 31º Prêmio Camões, concedido a Chico Buarque de Hollanda na tarde de ontem, 21, se deve, inegavelmente, ao magistral repertório musical que o compositor construiu desde que despontou no mercado fonográfico na década de 1960.
Desde então, a obra se burilou com o tempo, e rendeu algumas das canções mais importantes da música popular brasileira, entre elas a unânime Construção, o samba Vai Passar, a belíssima Beatriz e a doída Sobre Todas as Coisas e uma série de outras letras que fizeram da obra do compositor um expoente da fusão entre literatura e música.
Por outro lado, é injusto pensar que sua obra paralela, composta por uma novela (Fazenda Modelo), duas peças teatrais (Gota D’Água e Ópera do Malandro), uma coletânea de poesias (A Bordo da Rui Barbosa), um livro infantil (A Chapeuzinho Amarelo) e cinco romances (Estorvo, Benjamim, Budapeste, Leite Derramado e O Irmão Alemão), não merece laureação.
Impossível, é claro, comparar a obra musical de Buarque com sua obra literária. O compositor fez das letras sua maior contribuição literária, porém suas duas peças de teatro (texto e canções escritas pelo autor) merecem menção honrosa.
O teatro musical brasileiro não teve outro dramaturgo que se dedicasse com tamanho afinco a seu gênero como Buarque, que com Ópera do Malandro levou Brecht para o subúrbio carioca, e com Gota D’Água não apenas recontou o mito de Medeia como também criou uma obra atemporal, imortalizando a figura de Bibi Ferreira e sendo o musical brasileiro que melhor envelheceu, recebendo novas montagens ao longo das décadas.
Como romancista, Buarque também consegue destaque, ainda que a obra como um todo não roce a genialidade de suas letras. Leite Derramado, entretanto, pode ser considerado um dos romances mais importantes da literatura moderna, assim como o romance O Irmão Alemão, que reergue as pontes entre o jornalismo, a autobiografia e a literatura de investigação. Hábil com as palavras, o autor construiu tramas saborosas, contadas como um poema em prosa.
É claro que a obra musical de Chico Buarque transcende não apenas suas outras facetas, como também a própria cultura popular no Brasil, entretanto é injusto pensar que suas criações paralelas não ajudaram na laureação de seu nome no prêmio mais importante da língua portuguesa.
Assim como também é impossível imaginar que, se escrevesse em língua menos misteriosa do que o português, já teria sido laureado com o Nobel da literatura a exemplo de seu colega norte americano Bob Dylan.
(Pontos importantes a serem ressaltados: Gota D’Água foi escrita em parceria com o dramaturgo e diretor pernambucano Paulo Pontes; outros musicais na obra do autor, como O Grande Circo Místico, O Corsário do Rei e Cambaio tiveram sua contribuição apenas na composição das músicas – em parceria com o não menos magistral Edu Lobo -, não na dramaturgia).