por Anna Ramalho
Dias depois do nascimento da minha primeira neta, a Antonia, em 6 de dezembro de 2003, ela estava aqui em casa na noite do especial de Natal de Roberto Carlos na TV Globo. Minutos antes do início do programa, começou a chorar e peguei-a no colo. O berreiro seguiu até os primeiros acordes: comecei a rodopiar devagarinho com a pequena nos braços, enquanto a voz única de Roberto me ajudava a acalmar a criança cantando “se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi…” A voz mágica e o embalo da avó acabaram por acalmar a recém-nascida e pude assistir ao resto do show em paz.

A inesquecível capa do LP Roberto Carlos em Detalhes, lançado em 1971
Eu era uma adolescente de 16 anos quando o Roberto fez os esnobes frequentadores do fechadíssimo Country Club levantarem seus augustos traseiros das cadeiras para, ao som de seu então maior sucesso, cantarem com vontade “só quero que você me aqueça nesse inverno e que tudo mais vá pro inferno”. Tantos anos depois não consigo me lembrar de delírio semelhante no Clube.
Quando estava noiva do pai do meu filho, o Ricardo, saiu aquele LP do Roberto – até hoje acho o melhor – com foto dele em bico de pena na capa e “detalhes tão pequenos de nós dois são coisas muito grandes pra esquecer, e a toda hora vão estar presentes, você vai ver…” No mesmo disco, a gravação de Como dois e dois, que Caetano Veloso compusera pra ele.
Os anos passaram, casei, separei, meu filho cabeludo e adolescente só queria saber de Bob Marley e The Wailers, mas meu segundo marido, o Fernando, me acompanhava em todos os shows de Roberto pelos anos que se seguiram. Vi todos. Ou quase todos.
Assisti Roberto cantar no Aterro do Flamengo, ao ar livre, em 2002: 250 mil pessoas na plateia. Nos 50 anos de carreira, 2009, tomei muita chuva no Maracanã lotado e fui uma das escolhidas para fazer texto comemorativo à data na revista criada por Doddy Sirena e Léa Penteado e editada por Joyce Pascowitch. Este convite a mim, entre tantos coleguinhas, provocou muito choro e ranger de dentes…

O memorável show dos 50 anos de carreira num Maracanã lotado e chuvoso
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O show que mais me marcou foi um em São Paulo, em 1999 – viajei especialmente para assistir, no Via Funchal, a convite da saudosa Yvone Kassu, assessora de imprensa do Rei . Era uma casa de espetáculos enorme, completamente lotada, e Roberto vivia a tristeza e angústia da doença da mulher Maria Rita, que morreria poucos meses depois. O Rei estava abatido e triste. Visivelmente. A emoção rolava solta e, através das minhas próprias lágrimas, vi muita gente chorando. Neste dia não fui vê-lo nos bastidores.
O reencontro foi alegre, quando, convidada por minha amiga Léa Penteado, embarquei com a mana para o cruzeiro Emoções ( fiz dois e estou me referindo ao segundo). Roberto já estava mais conformado e voltava ao seu eu – físico e emocional. Nesta viagem, durante a coletiva de imprensa, fiz pergunta que muito o divertiu e virou manchete: “Roberto, cadê os caracóis do seu cabelo? Você está fazendo chapinha?” E ele: “ Estou. Sempre tive horror daqueles cachos!”
Roberto é daqueles amigos inesquecíveis. Humano e correto. Quando Yvone Kassu – sua assessora de imprensa desde o comecinho – morreu de repente, em julho de 2012, lá estava ele no velório no segundo andar do Cemitério São João Batista. Ele, que evita escadas, subiu e lá ficou o tempo todo. Eu vi, ninguém me contou. Na hora de fechar o caixão, ficou uns minutos conversando baixinho com a amiga de mais de 50 anos. Tem mais: artista pelo qual já se estapeavam assessorias de imprensa , fez questão de continuar com os que todos chamamos carinhosamente até hoje de “os meninos da Kassu”, Rogério Alves e Mauricio Aires. O nome disso é caráter.
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Tenho uma imensa honra de ser amiga do Rei, um orgulho muito grande de viver no seu tempo. Roberto Carlos é um ser tão especial que a primeira alegria desses tristes tempos de pandemia – um ano de sofrimento, de perdas, de tragédia – foi ele a dar: o primeiro artista de peso a fazer uma live. No Dia das Mães, naturalmente, porque Lady Laura sempre ocupou o lugar de honra no coração do filho. Foi uma emoção que jamais esquecerei, dentre as tantas que ele provocou em mim.

Roberto Carlos: o Rei indiscutível, amado, tietado, faz 80 anos. Parece que foi ontem
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80 anos, meu Rei! Parece que foi ontem, né?
Que você continue a tocar nossos corações com a sua voz que não envelhece.
Que Nossa Senhora – a quem você dedicou a mais linda das canções – siga lhe cobrindo com seu manto de amor.