por Olga de Mello
Um leitor compulsivo costuma ceder aos impulsos de curiosidade provocados ao se deparar com todo o tipo de livros, embora nem sempre encontre o que procura incessantemente: a leitura que combine conteúdo com prazer. Por contingência de minhas obrigações profissionais, leio muita porcaria. Se não falo sobre elas não é por vergonha, mas porque há coisas no mundo que nem menção merecem, já que a possibilidade de transformá-las em algo útil ou benéfico é nula. Separar o joio do trigo é minha tarefa diária.
Geralmente, reconheço a boa leitura em três ou quatro páginas. E também a que não vai render mais do que o vislumbrar de alguns parágrafos. Entre eles está a de quase toda a enxurrada de literatura pornô-soft que chegou às livrarias ultimamente – e que deveria ser denunciada como crime ambiental pelo abate de árvores para sua produção. Não estou me referindo ao que impulsionou a onda atual, não. Esse, até que passa. Posso garantir que a trilogia iniciada por 50 tons de cinza (Intrínseca, R$ 39,90) é muito superior aos volumes que estampam nas capas espartilhos, algemas, máscaras, pérolas e saltos finíssimos de sandálias. Comparada a tanta idiotice jogada no mercado, a trama mais que previsível montada por E. L. James surge como a de um mestre em folhetins. Já a imensa maioria do que me chegou às mãos não consegue nem ser sofrível. É apenas e unicamente perda de dinheiro. Melhor ir à banca de jornal e comprar algum livrinho das coleções “Sabrina” e “Júlia”.
Essa garimpagem na mediocridade da indústria do livro que me provocou o desabafo acima se deve a um fenômeno contrário. Ultimamente li tanta coisa boa que entro em pânico quando saio em busca de algo que me interesse. É difícil achar algo tão delicado e intenso quanto o romance Dez Mulheres (Alfaguara, R$ 39,90), da chilena Marcela Serrano. A princípio, parece que a autora encontrou uma fórmula fácil de desenvolver os perfis das nove pacientes de uma psicanalista. Cada uma conta sua vida, assim como a terapeuta. Se os depoimentos têm pouca diversidade de vocabulário (em que pese a excelente tradução, certamente há nuances imperceptíveis para quem lê em português que ajudariam a composição dos personagens), cada história traça um pouco da trajetória do Chile nos últimos setenta anos, mostrando como as mudanças políticas e comportamentais influenciaram mulheres de diferentes classes sociais.
Minha pesquisa por títulos empolgantes me levou a O que o dinheiro não compra – Os limites morais do mercado (Civilização Brasileira, R$ 29,90), do americano Michael J. Sandel, que propõe uma reflexão sobre o momento atual, em que até caçar um rinoceronte ameaçado de extinção é possível, na África do Sul, por 150 mil dólares. A venda de créditos do carbono, mães de aluguel, cambistas cobrando ingressos de celebrações religiosas gratuitas, a publicidade em carros de polícia (em Massachussetts, nos Estados Unidos) são alguns dos exemplos levantados por Sendel para mostrar o quanto nos acostumamos à mercantilização da vida, sem questionar o distanciamento cada vez maior entre pobres e ricos. Essas disparidades também estão em Luxo & Crime (Leya, R$ 34,90), da jornalista Angela Klinke, que conta a prisão por sonegação fiscal da dona de uma boutique de luxo. Se qualquer semelhança com a realidade brasileira não é mera coincidência, em seu romance de estreia, Angela faz um retrato implacável não apenas dos ricos que estariam acima do bem e do mal, mas também do olhar preconceituoso dos que lidam com eles, como jornalistas e policiais.
Olga de Mello é Jornalista, carioca, escreve para sites, jornais e revistas principalmente sobre cultura, que considera gênero de primeira necessidade.
Blogs: www.arenascariocas.blogspot.com e estantescariocas.wordpress.com