por Rogeria Gomes
Muitas iniciativas acontecem em comemoração ao centenário da escritora Clarice Lispector. Vasta programação promete dar destaque a obra e a vida dessa escritora que esta entre os expoentes da literatura brasileira. Escritora de muitas falas, de olhar atento ao seu tempo, que nos deixou cedo, mas sua escrita continua ecoando e irradiando.
Admirada por muitos e às vezes involuntariamente incompreendida por outros, com uma obra de relevância ímpar, Clarice merece todas as homenagens. Mais que nunca se faz necessário essa luz de Clarice nos ajudando a clarear nossa existência. Sejam todas bem vindas.
Alguns destaques:
‘Ao redor da tela, com Clarice Lispector’, uma websérie em nove capítulos promovida pelo Sesc Rio, que traz ao público o encontro inusitado da escritora consigo mesma, em dois momentos diferentes de sua vida. No elenco Ana Barroso, Ester Jablonski, Gisela de Castro e Joelson Medeiros. A direção e roteiro são assinados por Clarice Fukelman, dramaturga e pesquisadora, que nos fala sobre o projeto.
- Falar de Clarice é sempre desafiador e instigante. O que te levou a este projeto?
Fui levada a este projeto por um longo convívio com a escritora. Sou sua leitura desde antes de entrar na Faculdade de Letras da UFRJ, me tornei estudiosa da obra dela e uns seis anos para cá tenho feito dramaturgias anualmente, por ocasião do evento “A hora de Clarice”. Não podia perder a oportunidade das comemorações do centenário, em que poderia apresentar a minha visão sobre a escritora e cativar novos leitores. Meu projeto foi selecionado, para minha alegria.
- Como se de deu a escolha do recorte para o roteiro da websérie?
Mantive a trama que criei para a peça, que saiu de cartaz na 6ª apresentação, por causa da pandemia. Tudo começa com o encontro imaginário de duas Clarices. Certo dia, a Clarice, em torno de 40 anos de idade, é surpreendida com a visita dela própria, cerca de vinte anos depois, para uma espécie de acerto de contos. Repassam histórias que criaram, discutem sobre maternidade, fome, Deus, processo criativo. Nisso passeamos por cenas mais dramáticas, mais leves, conhecemos um pouco da biografia da escritora e de seu projeto de escrita, e também sobre o que ela pensa sobre amor, natureza, amizade. Ao transformar em série criei alguns ganchos, mas não segui o modelo de uma série televisiva convencional. Respeitei a linguagem da escritora. É um outro tipo de fruição.
- Quais os principais desafios para conseguir reunir este vasto material em capítulos de 13min?
Não são 13 minutos precisos. Tivemos de trabalhar em condições excepcionais, em meio a pandemia, dirigindo à distância e contando com o empenho e talento dos 4 atores. Acho uma média de tempo boa, para quem não está no teatro e para um produto híbrido, dirigido a um público que está aprendendo a curtir esse tipo de apresentação.
- Em sua pesquisa o que considerou mais relevante que não pudesse ficar de fora desse trabalho?
Mostrar a riqueza de temas na obra de Clarice, incorporar frases dela, trazer cenas memoráveis, mostrar como ela sempre esteve à frente de seu tempo e como ela nos ajuda a pensar questões essenciais, tanto do ponto de vista da vida pessoal, quanto da sociedade brasileira.
- De forma desmistifica o tabu de que Clarice é para poucos?
Clarice abre espaço para todos, de todas as idades. Cada um, com sua bagagem, pode encontrar o seu caminho de acesso. Os que já têm mais experiência de leitura e maturidade, talvez iniciem pelos romances; outros pelos contos, crônicas ou cartas. O importante é não perder a possibilidade de ter contato com umas das maiores escritoras do século 20.
- Qual ponto alto da série?
São pontos altos, eu diria. Particularmente gosto da cena do pesadelo, em que a escritora é cercada pelos personagens lhe cobrando coisas; do rap do Mineirinho; da discussão em família animada pela revolta da adolescente; e o final, a Ode a Macabéa, cordel que criei a partir de várias personagens femininas da escritora, com destaque para a belíssima trilha sonora de Liliane Secco, com ritmo nordestino.
- O que mais te surpreendeu na Clarice que você mostra ao espectador?
Sempre me surpreendo com Clarice.
- Como é possível assistir?
Está disponível durante todo mês de outubro: cada um pode assistir de uma vez, ou aos poucos, na plataforma do SESC : YouTube (@portalsescrio) e pelo Facebook (@SescRJ).
Alguns Lançamentos:
‘Clarice Lispector: Todas as Cartas’
O livro reúne uma coletânea de cartas escritas por Clarice para diferentes pessoas. Há cartas para familiares, amigos, escritores e editores, além outras inéditas escritas em livros de correspondência. Trata-se de um trabalho minucioso de pesquisa cuidadosamente elaborado por Larissa Vaz, que oferece ao leitor impressões que se expandem à escritora. Relatos, em sua maioria, escritos entre 1940 e 1950 período de sua maior ausência o Brasil. As correspondências incluem cartas para família, amigos escritores e editores. Muito de sua personalidade e sensibilidade transparecem em suas cartas à família, mais especialmente às suas irmãs, cunhados e sobrinhos. Vemos uma Clarice com um amor muito forte pelos seus que exala em todas as suas cartas, em especial nos períodos em que esteve morando no exterior. A lista de amigos escritores perfaz um momento singular do livro, com nomes muito caros à literatura e que Clarice desfrutou e trouxe ao seu convívio e coração. Nomes como Fernando Sabino, Nélida Pinõn, amiga que com ela esteve ate seus últimos dias de vida, João Cabral de Mello Neto, Lygia Fagundes Telles, Lêdo Ivo, Paulo Mendes Campos, Alzira Vargas, Helio Peregrino e alguns mais. Um elenco de amigos ímpar em todos os sentidos e que desfrutaram do melhor de Clarice, pois falavam de assuntos da vida, do coração, o que nos leva como leitores a lugares sublimes. Por fim, aos editores coube a incrível tarefa do compartilhamento de idéias apresentadas por meio de cartas, como também, maravilhosa tarefa de conhecer seu talento mais de perto, à primeira mão. O posfácio é uma ode a amizade, ao amor. Amor de duas amigas, Nélida Pinõn e Clarice Lispector que durou com intensidade, honestidade e cumplicidade. Um relato emocionante. O livro é um bálsamo aos leitores de Clarice e um grande incentivo aos que ainda não são adeptos ao universo Clariceano. Que não percam um só momento a mais.
‘Outros Escritos’
O grande diferencial deste livro é trazer ao leitor textos inéditos de Clarice indispensáveis ao complemento de sua obra, de seu pensamento. Percorremos por textos desde a época em que foi estudante de direito, seus primeiros passos no jornalismo, ofício que exerceu como repórter da Agencia Nacional, órgão do governo, além de anotações pessoais obtidas de seus guardados. Traz ainda sua única participação na famosa conferência ‘ Literatura de Vanguarda no Brasil’ ocorrida na Universidade do Texas em 1963.
Este tripé contextual nos leva a conhecer mais ainda de Clarice, uma autora atemporal, vanguardista e dotada de um pensamento crítico que a diferencia em larga escala das autoras de sua geração, com raras exceções. O ponto alto do título fica por conta da transcrição de uma entrevista concedida por Clarice ao MIS- Museu da Imagem e do Som, oportunidade em que a autora se permite falar livremente de sua vida e obra. O livro não só consolida a rica obra de Clarice como nos traz um feixe de luz e esperança como a literatura nos oferece.