por Rogeria Gomes
Nunca foi tão necessário respirar novos ares. A presença de dois ícones da cultura na Academia Brasileira de Letras nos traz essa esperança. Novos ares à vista.
Sem dúvida a presença de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil no lugar do pensamento, da palavra, das ideias é um refrigério, um afago à nossa alma. Gil chega à Academia em meio a uma plateia prestigiosa, entre amigos, familiares, intelectuais, artistas, admiradores, enfim, uma noite daquelas gloriosas que nos impulsionam a acreditar que apesar de tantos desalinhos a renovação paira à nossa estrada.
Em seu discurso lembrou-se da família, sempre carinhosa, que lhe deu a régua e o compasso que ele tão bem usaria em sua trajetória. Sua mãe, professora, o presenteou com seu primeiro violão, e o pai, médico, não descuidou na atenção às escolhas que o menino Gil apresentava. A sua Bahia querida cantada em prosa e verso também foi lembrada com carinho e emoção.
Não faltaram as boas lembranças de Flora, companheira, parceira de longa data, sempre pronta aos incentivos; dos filhos, netos e da profunda dor pela ausência de seu filho Pedro Gil. Disse que não cantaria, mas cantou e encantou como bem sabe fazer. Um dos momentos lúdicos e saborosos da cerimônia. Lembrou que aos dezessete anos escrevia seus primeiros versos o impulsionando a seguir o caminho de letrista. A Casa de Machado de Assis, como fez questão de ressaltar, ABL, lugar da palavra e da memória fortalece a imagem intelectual do país, é um lugar democrático, onde Gil reafirmou que pretende colaborar com o debate em prol da cultura brasileira. Quando foi Ministro da Cultura direcionou seu olhar a questões por muito tempo despercebidas, uniu a cultura brasileira de diferentes pontos valorizando cada particularidade; e este mesmo olhar, chega a Casa das ideias e fortalecerá de forma indelével a nossa cultura. Relembrou os antepassados da Cadeira número 20, que passa a ocupar; personalidades ilustres, homens de primeira ordem e a origem negra do fundador Machado de Assis, assim com ele. Um fato histórico na Academia. O exílio a que foi submetido nos idos de 1969 ao lado do grande amigo Caetano Veloso, também não foi esquecido. Tempos cruéis, difíceis, mas vencidos. Uma sombra obscura, um passado que jamais poderá ressurgir. Indagou: ‘o que fazem os políticos? Até quando o Brasil será o país do futuro? Não sei bem. Procurei colaborar para que o Brasil fosse respeitado mundo afora’. E esse é o mesmo respeito que desejamos, nos esforçamos, trabalhos e acreditamos.
A Tropicália movimento artístico tão importante para a música brasileira, foi citada com muito carinho e como um norte que continua a influenciar a nossa MPB. Com tristeza se referiu a hostilização que os artistas vêm sofrendo, como poucas vezes se teve notícia na história republicana brasileira. Emocionado e feliz, disse: “aposto na esperança até chegarmos a toda luz, a luz do luar. Aposto na vida e na alegria”.
Gil nos abraçou com “aquele abraço”, que ele sabe calorosamente dar e nos trouxe à lembrança que ‘amor da gente é como um grão uma semente de ilusão, tem que morrer pra germinar plantar n’algum lugar ressuscitar no chão nossa semeadura”. Semeadura que felizmente em boa hora começa a germinar em nosso chão. Colheremos os frutos dessa semente que ressurgirá em campos floridos, férteis e vigorosos. Noite memorável, histórica, um marco para a cultura nacional e para o Brasil que desejamos reencontrar. Uma nova luz desponta. Vamos sim Gil, apostar na vida e na alegria!