Já é tarde da noite de quarta-feira, trabalhei como uma moura ( sei lá se moura trabalha muito, mas sempre ouvi a expressão), enfim, o bom senso manda que escreva a crônica na quarta para evitar correrias de última hora. Escrevo com um agradável sentimento de antecipação – amanhã, quinta-feira , tenho compromisso importantíssimo: comemorar, ao lado das “meninas” do Colégio Santa Úrsula, o que jocosamente batizamos de o nosso Jubileu de Ouro. É isso aí: há 50 anos, entramos todas para o colégio que foi nossa alegria, nossa bússola, que nos ensinou lindamente muito do que sabemos – e olha que a maioria é de mulheres muito bem sucedidas. Seja como profissionais, seja como donas de casa ( algumas são, de carteirinha), como mães, como cidadãs, somos todas, sem o menor favor, do balacobaco.
Algumas de nós sempre mantivemos os laços. Acho que até já escrevi sobre isso, aqui, quando da primeira vez que nos reencontramos a sério, há coisa de uns cinco, seis anos. A reunião foi em casa de Regina Pardellas e me lembro que mantivemos ali, durante toda a noite, mais ou menos a mesma formação dos tempos de colégio – sempre o mesmo grupeto, as mesmas figuras, nos recreios da vida ou nas sessões de estudo dirigido. As afinidades eletivas – sempre elas.
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Algumas das meninas de amanhã conheci no meu primeiro dia de aula – e eu entrei para o Santa Úrsula, sei lá por quê, no meio do ano. No que se chamava, na época, Admissão ao ginásio. Nunca vou me esquecer: as meninas uniformizadas e eu, caindo de paraquedas, com vestido da Bonita, de fustão azul e branco, me sentindo a última das criaturas. Como essas coisas marcam a gente, né não? Posso ainda sentir todos aqueles pares de olhos em cima da forasteira. Quero lembrar aqui algumas delas e já vou pedindo desculpas pelas inevitáveis omissões: Lina Pinheiro cabelo muito liso e muito preto, sempre caindo na testa, grande jogadora de queimado; Maria Luiza Weinshenk de Faria, a Mica, outra bela jogadora de queimado; Mônica Labarthe, pequenina, muito esperta, foi logo apelidada de Sempre Viva por Dona Alzira, a dona da cantina; Laura Lott, vizinha de Copa e de Terê; a Regina Salvaterra Dutra, sempre rezando e que, soube agora, tem um filho pastor ( evangélico); Heloisa Marcondes, também pequenina, lourinha, sempre junto da querida Bebella, da Margarida ( que já nos deixou) e da Tetéia, que tinha um bando de irmãos e morava numa linda casa na Gávea; Ana Lúcia Nabuco, magrinha, elegante, séria; Virgínia Fraga, que nos matava de rir; Mônica Baptista, da turma das altas, boa de vôlei, rainha do bom humor; Luizinha Amorim, louros cabelos lisos, sobrinha de Dona Regina, a amada professora de francês; Maria Lúcia Lucas, nossa baianinha morena de sorriso cativante; Ana Lúcia Nóbrega, olhos verdes, rosto magro, concentrado; Beth Calazans e Claudia Fraga, que eram do mesmo ônibus escolar; a Miriam Marcello, nossa anfitriã neste reencontro, cabelos muito crespos, corpo sempre bem feito… E, depois, vieram as outras, nos anos que se seguiram no ginásio: Regina Milanez, Maria do Carmo Dutra, Beth Cabal, Celinha Barreto Góes, Martha Milek, que nunca mais vi, Fátima Brazão, Lina Busch, Claudia Moletta, Alice Maranhão, Glorinha Castro… Anos mais tarde, no curso de Humanidades, muitas destas e ainda Maria Helena Leite Barbosa , Beá Assumpção, Eleonora Mendonça , que nunca se separavam, Katia Nunes Machado, que virou minha comadre, Rosa Freire d’Aguiar, irmã de alma, a Leda Soares, que desapareceu na repressão, a Ana Lúcia Carneiro da Cunha, que desapareceu na vida, minha querida Eliane Bacêllo, que foi-se há um par de anos. Tantas outras, que o espaço não dá. Mas estas não estão na turma do Jubileu. Vieram depois. O Jubileu delas ainda vai chegar. Tanta saudade!
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E por falar em saudade, como cantou o Poeta, a comemoração só não será perfeita por um motivo: está faltando uma. Uma muito importante – porque foi esta uma com seu empenho, sua dedicação, sua perseverança, que nos conseguiu juntar a todas novamente. Durante as minhas férias, os e-mails da turma eram a cada dia mais desalentados. Por fim, veio a notícia: Angélica Príncipe, uma das minhas adoráveis meninas daquele primeiro dia no Santa Úrsula, fora vencida pela doença. Um câncer abateu a flor Angélica, pequenina e suave, filha de Hermógenes Príncipe, amigo de meu pai, baiano como meu pai. E eu não estava aqui para velá-la.
Vamos levantar um brinde a ela e às outras que nos deixaram. Um brinde de saudade. Mas vamos também cantar Parabéns para a Claude Mardini, que não era da nossa sala, mas está sempre conosco em todas as comemorações.
E vamos todas examinar as fotos antigas e tirar novas, é claro. Para que algum dia, ao revirarem nossos baús, nossos netos e bisnetos, possam ter a prova material de que fomos, até o fim, como o título maravilhoso daquele filme: “Nós que nos amávamos tanto”.
Rio de Janeiro, 12 de junho de 2010.