A relação da figura feminina com a dramaturgia atravessa a História. Desde Ibsen com a clássica “Casa de Bonecas”, na qual subvertia o papel feminino e o poder da submissão, até as “tragédias gregas em São João do Meriti” de Nelson Rodrigues, a figura feminina passeia pelo teatro com naturalidade.
Em “Chuva, não. Tempestade!”, Natália Gonsales e Cinthya Falabella voltam a discutir essa figura dentro de um cenário também já amplamente explorado: os relacionamentos. No texto de Franz Keppler, uma mulher descobre que seu marido mantém uma relação extraconjugal e, no desejo de descobrir os segredos que ele possa vir a guardar, entra em contato com a amante e as duas iniciam uma relação de proximidade destrutiva.
A base do texto é o conto “Mulher Desiludida”, da filósofa francesa Simone de Beauvoir, no qual uma mulher entra também em contato com a amante de seu marido e a aceita, no desejo de não perder o amor que julgou ter encontrado.
Em “Chuva, não. Tempestade!” essa relação propõe ao público discussões que abrem o leque sobre o local da mulher na sociedade e a discussão acerca do amor e da manutenção dos relacionamentos.
A peça entra em sua última semana no Teatro Eva Hertz, em São Paulo, e a protagonista Natália Gonsales bateu um papo com a Conexão Sampa sobre o espetáculo e sobre sua visão acerca do feminismo presente na representação. Confira:
Conexão Sampa: Quais expectativas vocês tinham acerca do público de São Paulo?
Natália Gonsales: É difícil criar expectativa em relação ao público. No teatro, a expectativa é do público em relação a gente. Mas esse é um espetáculo que acontece para as pessoas, é quase unânime porque 90% dos que vão assistir se apaixonam. Esperamos, claro, que exista o boca a boca, que as pessoas que vão ao teatro sejam transformadas em algum lugar. Eu sempre tenho essa expectativa. E a peça tocava muito as pessoas, ela é comunicava, nós temos um feedback interessante… Mas não é um espetáculo que lota o teatro. A casa não está sempre cheia, mas mesmo assim conseguimos passar muita coisa que a gente queria em relação à mulher, o quanto a mulher contemporânea e o quanto a mulher em geral ainda é submissa nessas relações amorosas. Como somos eu e a Cynthia também, nós nos colocamos nesse lugar.
CS: A peça usa do conto Mulher Desiludida que é a história da mulher que aceita a infidelidade do marido para continuar com ele. Você acha essa história ainda hoje contemporânea? É, talvez, atemporal?
NG: Eu acho que pode ser atemporal em vários aspectos. Muita coisa evoluiu. A mulher tem um espaço maior na sociedade, mas o homem acaba sendo mais valorizado, e mesmo mulheres costumam ser machistas em muitos momentos. É muito tempo de discussão porque cada lugarzinho você tem coisas boas e ruins, porque a gente ganhou aqui e perdeu ali. A mulher tem um lugar dentro de uma relação muito especial. Ela tem a coisa do cuidar, ela é mãe, é da natureza, é do ser feminino ser mãe. Ela cuida, se apropria, cuida do lar… E perdemos um pouco desse lugar, essa referência da casa, que é lindo. Ser uma dona de casa é trabalhoso pra caramba e perdemos esse valor, e não poderíamos. Contudo, a mulher tem um compromisso de querer que a relação esteja acessa, de querer cuidar do marido, dos filhos e a gente acaba se confundindo, aceitando essa desilusão em relação ao outro. E quando acaba numa traição, você acaba submissa a isso, você é uma pessoa que deixa de fazer o que você gosta pra aceitar o outro. A maioria das pessoas não gosta de ser traída e aí é como o conto dessa mulher que acaba se matando, porque ela aceita sem aceitar e aquela amante acaba tomando um espaço muito grande na vida dela, porque ela se comparava com a outra, e ela passou a viver a vida dela como se fosse a relação com a outra, e se mata. E também tem uma sociedade machista que impõe isso até hoje. Até hoje pensam que se o homem trai é porque a mulher não o satisfez. É histórico, a religião também impõe isso. Mas estamos evoluindo, não podemos perder essa evolução.
CS: A peça tem uma pegada de inspiração feminista. Você é feminista?
NG: Não me enxergo como feminista. Mas, mesmo assim, eu fiz um espetáculo chamado “Festa”, que eu colocava muito a questão da mulher. Era muito físico o trabalho, ela vivia em busca de um homem e quando ela entendia que não precisava de ninguém, ela se vestia com uma roupa masculinizada e ia pra vida, saia do palco. Era uma metáfora para uma mulher que acredita que nós também podemos sair na rua, trabalhar, realizar o que acreditamos, é mais pra esse lado. Eu sou casada há oito anos com o Flávio Tolezani, que é ator também, e eu não quero entrar numa disputa com ele, mas os dois trabalham, buscam realizar, buscam as vontades, os sonhos, e é o fundamental. O problema é que quando a gente acaba sendo feminista no sentido de competir com o sexo masculino, eu me preocupo. Nunca busquei isso. Todos podemos buscar nossas coisas, basta seguir o caminho que a gente escolhe. Então precisamos ter coragem, medo a gente tem.
CS: Pretende voltar para SP?
NG: Claro a única questão de não continuar agora é patrocínio. Já tivemos investimento da Tua Agência, que é a nossa realizadora do espetáculo, eles fizeram trabalho maravilhoso e precisaríamos de outro patrocínio pra poder seguir. A luta é fazer fora de São Paulo, viajar é sempre o objetivo, mas pretendemos voltar o quanto antes.
SERVIÇO
Chuva, não. Tempestade!
Data: 21, 27 e 28 de julho
Local: Teatro Eva Hertz
Endereço: Avenida Paulista, 2073 (Conjunto Nacional, 1º piso), Bela Vista – São Paulo (SP)
Horário: 21h
Preço do ingresso: R$ 25,00 a R$ 50,00