por Léa Penteado
A lama no Rio Doce, os tiros em Paris, a queimada na Chapada, tudo isso deixou meus pensamentos desordenados. Tragédias demais colaboraram para que as palavrinhas sumissem e nem consegui escrever na semana passada. Sem contar que quando se aproxima dezembro tudo me confunde…. Por mais que haja planejamento para receber os hospedes, a minha “São Silvestre particular”, uma corrida para que tudo esteja na mais perfeita ordem, acontece juntamente com o meu inferno astral… “Sinto muito, me perdoa, eu te amo, sou grata”, repetir centenas de vezes o mantra do Hoponopono para abaixar a ansiedade, pois sei que tudo vai dar certo, sempre deu…
Em meio a costumeira tensão, Helenita, a minha fiel escudeira, retirou do armário a caixa com enfeites de Natal. Tocada pela publicidade no rádio e na tv resolveu me fazer uma surpresa. Limpou cada peça do presépio, as bolinhas coloridas, luzes, anjinhos, enfeites antigos e deixou tudo exposto em uma grande gamela para que não ficasse despercebida a chegada de dezembro. Há alguns dias por onde meu olhar passa entre a varanda e o escritório os enfeites cutucam a memória. Dói… Apesar de algumas tentativas o evento “Natal” desapareceu do meu calendário há 14 anos quando, na antevéspera, enterrei meu irmão… Horrível enterrar, por favor me cremem, me joguem no mar, me façam desaparecer num toque de mágica, qualquer coisa mas na terra não… Acontece que naqueles tempos e nesta localidade era o que se podia fazer atendendo a um desejo de “me deixe por aqui, não me leve para o Rio”. Assim, num pequeno cemitério à beira da estrada, em uma cova aberta embaixo de uma árvore para dar sombra e sentir o vento do mar não muito distante, o que restou de seu corpo ficou num 23 de dezembro. Desde então tenho me esforçado para o Natal também não morrer em mim, mas tem sido uma luta árdua…
Há alguns anos coloquei luzes em uma árvore no jardim. Tinha decoração, mas não sentimento. Quase todos os anos insisto em fazer um arremedo de montagem de presépio, prendo umas bolas em um galho seco de açaí, crio um cantinho para o Natal, tudo sem a menor expressividade. Lembro de árvores enormes que com muito prazer montei nas salas de todas as casas por onde passei, sempre dia 1 de dezembro e desmontando 6 de janeiro. Gostava de colocar com antecedência os presentes em sua base e seguindo o meu exemplo, certo ano, um ex-marido deixou uma caixa grande de uma loja de roupas populares com um cartão em meu nome. Durante semanas temi o que encontraria lá dentro, mas na noite da festa ao abrir encontrei uma aliança de brilhantes! Já não tenho mais os brilhantes, há longo tempo troquei-os por uma árvore de natal em Nova York que é uma outra história. Mas o fato é que adorava embrulhar presentes, a cada ano escolhia um papel diferente, como o papel pardo com laço vermelho, papel chiffon vermelho com fita verde, muita imaginação para enfeitar a árvore, presentear a família e os amigos! Na noite de 24 havia a tradicional ceia com a família e antes da troca de presentes papai puxava o coro de “Noite Feliz”. Era uma desafinação coletiva. Ninguém aguentava as notas mais altas e se transformava em uma grande gargalhada. Eu ria para esconder as lágrimas disfarçando a emoção daquele ritual que nos acompanhava desde crianças… No dia 25 o almoço invariavelmente era na casa da Anna Ramalho com tantos amigos em torno de mesa farta e boas conversas…Era um fim de ano feliz.
Não que meus fins de ano deixaram de ser felizes, mas tem outro sabor. É o tempo que o filho chega para uma temporada longa, os hóspedes amigos vêm com novidades, clima de praia, muito sol e a vila que ao longo do ano é vazia, se transforma. Intermináveis filas na balsa, o sufoco para não faltar mamão papaia nem queijo de minas no café da manhã (desaparecem dos mercados!!), as deliciosas baguettes do padeiro Gilmar, promessas à Santa Clara para que a chuva não atrapalhe os turistas, os brindes com espumante nos finais de tarde na casa de amigos, a alegria de ver os restaurantes cheios e os stands up paddles colorindo o rio e o mar… É tudo muito bom, só não é Natal… Da festa ficou a fé na renovação da vida com o nascimento de Jesus e um restinho de enfeites em algum canto da casa…
Léa Penteado é jornalista e escritora, mora em Vila de Santo André, em Santa Cruz Cabrália, Bahia.