por Vagner Fernandes
Nas últimas três décadas, ao menos, meu pai sempre brincava dizendo que aproveitássemos bastante o Dia dos Pais que aquele poderia ser o último de sua vida. Ninguém mais o levava a sério, porque a suposta premonição era simplesmente uma forma de ele dizer nas entrelinhas que queria que todos ficássemos juntos. Meu pai ria da vida e debochava da morte. Quando completou 80 anos danou, a partir de então, a ironizar-se, dizendo que começava a cumprir hora extra por cá. A cada celebração, ele lançava mão das mesmas histórias. Era uma espécie de rito que hoje, compreendo com clareza, tinha o único intento de deixar evidente o seu desejo de que não nos separássemos.
Neste 8 de agosto de 2021 será o primeiro Dia dos Pais sem o meu pai, sem a sua alegria, elegância, gentileza e também sem o seu “sorinho gelado”, metáfora que adotara desde sempre para a cerveja suada com a qual adorava brindar as ocasiões especiais em família. Aprendi com ele a gostar de cerveja. Mas jamais tomei um porre na vida. Meu pai sinalizava a sensatez em saber dosar o álcool para não perder a razão. Como nunca fui amante de bebida alcoólica, passei ileso em testes de fogo na adolescência. Foi com ele que também aprendi a não andar sem camisa, mesmo em dias de calor insuportável. Em casa, à mesa, não permitia que ninguém se sentasse de peitoral nu.
Meu pai foi muita coisa mesmo tendo tão pouco. Lutou para dar o melhor a filhos e a netos. Foi ele quem alimentou o meu sonho de fazer teatro, indo me levar a uma seleção para ingresso na Escola de Teatro Martins Pena. Não esqueço da cena dele sentado no meio-fio, aguardando-me sair da prova escrita aplicada na Escola Municipal Celestino da Silva, na Rua do Lavradio. Foi ele que, junto com a minha mãe, me acompanhara para o temido concurso no Colégio Pedro II. Foi ele que me colocou num ônibus rumo ao vestibular na Uerj, instituição pela qual me graduei e hoje dou sequência às minhas investidas acadêmicas em programas de pós-graduação. Meu pai dizia que a educação era a única maneira de pobre ascender na vida. Ele era semi-analfabeto.
Quando criança e também na adolescência, não me interessava por super-heróis da Marvel ou da DC Comics. Meu pai sempre dizia que a ficção dos gibis não cabia no contexto social em que vivíamos. Ele não me proibia de sonhar. Só assinalava que era preciso acreditar no mito do super-homem com os pés no chão. Meu pai era um apocalíptico de Umberto Eco sem conhecer o significado do conceito criado pelo semiólogo, filósofo, linguista e escritor italiano. Detinha uma sabedoria impressionante. Foi um homem amado pela burguesia e por uma elite intelectual para a qual trabalhou. Era uma exceção. Não pela subserviência, mas pela riqueza de sua alma. Há quinze dias, desde que meu pai regressou ao infinito, venho descobrindo uma série de correspondências que atestam o que eu já sabia. Meu pai verteu amor na mesma proporção que recebeu. Foi imenso. Tão grande que lá de longe consegue heroicamente neste domingo me abraçar e preencher a própria ausência.