por Bruno Cavalcanti
Espécie de caça-níqueis dentro do teatro musical, os espetáculos baseados em biografias de nomes famosos, principalmente da música popular, tomaram um espaço enorme dentro do mercado e fizeram a roda viva dos grandes musicais girar com força no país.
Muito deste sucesso se dá pelas histórias emocionantes, e já clássicas, de nomes como Cazuza, Elis Regina, Tim Maia e Rita Lee (que ainda não ganhou espetáculo a sua altura), mas muito também se deve a gama de canções conhecidas do grande público, que comparece em peso ao teatro para ver grandes shows com o repertório de seus ídolos.
Este é um artifício comum, utilizado mesmo quando o assunto principal do espetáculo não é a história de vida de um músico ilustre. É o chamado musical jukebox, que conta uma história baseada em canções que não foram compostas para contá-las.
É o caso de espetáculos como Mamma Mia!, musical de texto irregular, mas feito blockbuster pela junção de hits do grupo sueco Abba, e Nice Work if you Can Get It, indicado a 10 prêmios Tony e composto sobre a obra dos irmãos Ira e George Gershwin, apenas para citar dois exemplos.
Do Outro Lado, musical escrito e estrelado por Vanessa Gerbelli se vale deste filão, unindo em cena canções de compositores como Roberto Carlos, Raimundo Fagner e Cole Porter, entre uma série de outros que ajudam a contar a história das presidiárias Diana e Silmara, que realizam um show em homenagem a uma amiga detenta que cometeu suicídio.
Ao lado de Alessandra Verney, Gerbelli constrói uma história linear sem grandes arroubos dramatúrgicos. Grande atriz equipada para dar vida aos mais diversos tipos e personagens, Gerbelli constrói uma Silmara terna. De tons altamente dramáticos, a personagem guarda pra si grandes momentos.
Abusada pelo pai quando criança e com uma adolescência transgressiva, Silmara é personagem de forte empatia com o público. Muito por sua (rica) construção, muito pelo carisma de Vanessa Gerbelli, que entra em cena já com o jogo ganho, e consegue um de seus melhores momentos vocais ao som de Deslizes, de Fagner.
Personagem de tons mais clássicos e teatrais, Diana, a professora de música que atirou no marido para não ser deixada, resulta menos empática, mas nem por isso menor. Alessandra Verney defende a personagem com maestria, fazendo dela um dos seus melhores momentos em cena.
Cantora de grande equipamento interpretativo, a atriz brilha quando interpreta temas como Quem me Leva os meus Fantasmas, tema do português Pedro Abrunhosa que Maria Bethânia tomou pra si em 2013.
O encontro das duas é truncado, porém terno, e acaba discutindo temas como representatividade, homossexualidade, o confronto entre classes e realidades, e a parceria em prol da sobrevivência. Tudo representado com impressionante delicadeza pelo (bom) texto de Gerbeli.
A direção conservadora de Patrícia Pinho não leva o espetáculo a experimentações, apoiando-se exclusivamente no (fluente) texto de Gerbelli. O cenário de Gringo Cardia é funcional, embora esteja distante dos grandes trabalhos desenvolvidos pelo artista plástico, mas que resulta mais bonito quando adornado pelas belas luzes de Paulo César Medeiros.
A direção musical de Miguel Briamonte é outro ponto alto do espetáculo. O maestro recria temas clássicos, como Sua Estupidez, sem descaracterizá-los. Ou seja, Briamonte permite que o público cante junto, mas não se limita a fazer simples reproduções dos temas originais. Trabalho árduo, mas, vemos aqui, possível.
Do Outro Lado não é o musical que vai ressignificar o mercado ou as carreiras dos envolvidos no projeto, mas um espetáculo que permite à plateia ir embora com uma canção no bolso para sussurrar no caminho de volta. Como deve fazer um bom musical.
Foto: Edson Lopes Jr.
SERVIÇO:
Do Outro Lado
Data: 27 de setembro a 26 de outubro
Local: Teatro Porto Seguro – São Paulo (SP)
Endereço: Al. Barão de Piracicaba, 740 – Campos Elíseos
Horário: 21h
Preço do ingresso: R$ 20,00 (meia) a R$ 60,00 (inteira)