por Gilda Mattoso
Todo mundo se lembra da primeira vez que viu Bethânia na vida e comigo não foi diferente. O ano era 1972, eu morava em Niterói e fui mais de uma vez até o Teatro da Praia pra vê-la reinando no inesquecível show ¨Rosa dos Ventos¨, dirigida por Fauzi Arap. Que maravilha tudo aquilo – ela, repertório, cenário, figurinos… e a companhia do namoradinho da vez! Voltávamos caminhando por Copacabana pra digerir tanta beleza e originalidade. Desde então não parei de vê-la, admirá-la não só como artista, mas sobretudo como pessoa das mais éticas que conheci nesse meio onde trafego há mais de 30 anos!!!
Em 1986, eu trabalhava na Polygram, mas estava bastante insatisfeita, e comentei isso com Caetano um dia em que fui à sua casa resolver algo referente ao lançamento de um disco seu. No dia seguinte, toca o telefone e a secretária me passa a ligação dizendo que era Maria Bethânia. Pensei que fosse brincadeira de algum amigo, mas ao atender ouvi a voz inconfundível. Ela então me disse que comentara com Caetano que estava precisando de uma pessoa pra trabalhar com ela, que falasse pelo menos francês, blá blá blá… Caetano me indicou e lá fui eu, depois do trabalho à casa dela, que ficava entre a Polygram (Barra) e minha casa de então (Gávea). Lá chegando, fui recebida por uma pessoa que me conduziu à sala, já meio às escuras, e senti o cheiro inconfundível de acarajé. Ao olhar para o lado, vi uma cestinha com vários acarajés recém fritos e delicados! Pensei: ¨Puxa, que gentileza, deixar uma iguaria da terra dela aqui e… nhoc… comi o primeiro… quando ia partir para o terceiro, ela adentra a sala e exclama: “Os acarajés de Iansã!!!” Foi então que eu, passada de vergonha, vi uma enorme imagem de Santa Bárbara ao lado do sofá e me dei conta de que havia traçado uma oferenda. Enfim, passado o mal estar inicial, senti grande simpatia por ela e acho que ela por mim tanto que logo deixei a Polygram para trabalhar na MB. Logo fomos a Paris para shows no Théâtre de la Ville, temporada inesquecível, com José Alberto, Nicinha, ambos hoje em nossas saudades! Lá pude presenciar Jeanne Moreau, diva do cinema francês, subir ao palco e postar-se de joelhos aos pés de MB. De volta ao Rio, comecei a me entediar pois não havia muito a ser feito no escritório. Eu me distraia vendo fotos, figurinos antigos dela, ia muito à casa dela para reuniões, mas nesse mesmo ano, na festa de 50 anos de Guilherme Araujo, encontrei Mariozinho Rocha que acabara de assumir a direção artística da Polygram e que me convidou a voltar. Conversei com Bethânia, que aceitou meus argumentos, mas me fez combinar que, quando ela viajasse a Paris, eu iria com ela. Transmiti isso a Mariozinho que prontamente topou (mesmo porque estava nos planos dele levar Bethânia de volta à casa onde ela gravou parte substancial de sua discografia, o que de fato aconteceu, logo depois de minha volta). Depois, com ela na gravadora, tínhamos muito contato e em 1990/91, eu já fora da Polygram, fui com ela para São Paulo para a estreia do show que comemorava seus 25 anos de carreira. Como sempre, espetáculo lindo e uma direção impecável de nosso querido José Possi Neto com quem me dei às mil maravilhas. Ele também é cheio de humor e nos divertíamos horrores. O fato mais marcante dessa temporada foi que, em janeiro de 1991, minha primeira e única filha, Marina, comemorava seu primeiro aniversário e eu não queria passar a data longe dela. Então, Beth, minha vizinha anjo de guarda, seguiu pra Sampa levando Marina e fizemos uma festinha no camarim de Bethânia com direito a bolo, bolas, balas e um parabéns tocado pela banda que acompanhava Bethânia, com direito a solo do sax de Raul Mascarenhas e, a cereja no topo de tudo, cantado pela própria Berré!!! Marina adorou e para minha surpresa, MB deixou que ela mexesse em tudo no camarim, até numa sereia que ela pendurava no teto.
Essas lembranças todas me ocorreram agora que M está em plena temporada de enorme sucesso do novo show ¨Abraçar e Agradecer¨, quando comemora seus 50 anos de carreira, ao qual assisti, extasiada, no último dia 17, ao lado de minhas amadas Anna Ramalho e Lucinha Araujo. Salve Maria Bethânia querida! Copio aqui um trecho de sua autoria, o primeiro texto que ela recita no show, e que me representa totalmente!
¨…Agradecer a tudo que canta livre no ar, dentro do mato, sobre o mar. As vozes que soam de cordas tênues e partem cristais. E aos senhores que acolhem e aplaudem esse milagre. Agradecer, ter o que agradecer, louvar e abraçar.¨