por Anna Ramalho
A vida da gente é marcada por momentos definitivos, inesquecíveis, sejam eles de alegria ou de tristeza. Cada um tem as suas cenas, os relâmpagos que permanecem na memória a serem acessados sempre que detonados, os retalhos da grande colcha que pode nos aquecer nas noites frias e assombradas. Eu sempre prefiro as lembranças alegres e as emocionantes. Por uma questão de princípio, não faço pacto com o baixo astral, não dou mole pra deprê.
Nosso mundo vive uma era de trevas. Assistimos a uma guerra cruel, despropositada, violenta e desumana, praticamente em tempo real. Crianças, velhos, valas, cadáveres, desespero… Em nome do quê? A sede do poder e a vaidade desmedida dão o tom. Inocentes pagam o pato junto com a ordem mundial, completamente abalada e desestruturada.
O Brasil do B não é menos trevoso. Mas nele, ainda assim, há momentos memoráveis e preciosos.
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Abatida por uma tremenda crise de bronquite, como há anos não tinha, testemunhei a cena – já guardada no coração para sempre: Maria Bethânia cantando ao vivo e em cores na Igreja de São Francisco da Penitência, centro do Rio de Janeiro, no casamento de Nina e Felipe – ela afilhada da cantora, cujo nascimento noticiei no Jornal do Brasil há 18 anos. Nina e sua gêmea, Júlia, são 4 meses mais velhas do que minha neta Antonia, presente comigo neste momento sublime, e registrando tudo para a posteridade. Foi no sábado passado, um dia depois do temporal que devastou a cidade e tirou o sono de noivos, famílias e convidados. Se chovesse, seria um transtorno daqueles.

Nina Basbaum, linda noiva, e Felipe Di Biasi, já casados, cruzam a nave da Igreja de São Francisco da Penitência, jóia do Brasil Colonial, em pleno Largo da Carioca, Rio de Janeiro ( Foto Antonia Ramalho)
Bethânia é ídolo, musa, que tenho a felicidade de conhecer e poder admirar de perto. Um privilégio. Desta vez, a performance superou tudo o que já vi de Abelha Rainha em mais de 50 anos que acompanho sua carreira.
Encarapitada num dos camarotes da igreja deslumbrantemente barroca – toda em ouro – Maria soltou a voz inquebrantável, soberana, uma voz que permanece, aos 75 anos, poderosa como foi aos 20. A diva entrou tão discretamente que muita gente sequer percebeu sua presença. Não dá para traduzir em palavras o momento. Basta dizer que as mais de 200 pessoas, ao pressentirem a presença de Abelha Rainha, guardaram um silêncio raro e reverencial. Ficaram todas de boca aberta – ou em lágrimas, como eu – quando ela cantou o Largo de Bach com a letra preciosa de Flávio Venturini ( música também conhecida como Céu de Santo Amaro) e o Magnificat, na entrada da belíssima noiva pelo braço de seu pai, o promotor de Justiça Márcio Mothé.

O abraço apertado e amoroso de Maria Bethânia em sua afilhada Nina ( Fotos Reginaldo Teixeira)
Depois, discreta como sempre, desceu de máscara para acompanhar a cerimônia e corujar sua menina querida.

O encontro de madrinha com a afilhada, uma noiva deslumbrante e chique, ao pé do altar. A máscara apenas disfarça a emoção de Maria Bethânia e Nina
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Meninos, meninas, meninxs, eu vi Iansã e Nossa Senhora; eu vi Oxalá e Jesus Cristo; eu vi a chuva virar lua. A voz de Maria Bethânia faz essas coisas. É mágica, é sobrenatural. É magnífica!
Nos vídeos de minha neta Antonia Ramalho ( na faculdade de Comunicação, trilhando o bom caminho) o registro feito em aparelho de IPhone. Mas dá pra sentir o clima e a emoção