por Vagner Fernandes
As Lonas Culturais são, sem dúvida, o principal projeto de democratização e facilitação do acesso à cultura já surgido na cidade do Rio de Janeiro. Oriundas da ECO-92, neste 2022 estão completando 30 anos. São dez espaços singulares que levam os jovens das regiões em que estão localizados a uma situação de menor vulnerabilidade social, pois que que oferecem ampla variedade de atividades gratuitas às comunidades do entorno. É um oásis de paz e bem em meio à desgraceira cotidiana. São ambientes que transformam vidas, que movimentam a economia local e que denotam a importância da cultura como instrumento de ressignificação humana. Não é clichê. É real.
Em três décadas, pouca coisa mudou do ponto de vista estrutural nas lonas. É preciso atenção. É fundamental que essas tendas originárias de um dos maiores eventos sobre o meio ambiente se alinhem à Agenda 2030, um plano de ação global que reúne 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas, criados para erradicar a pobreza e promover vida digna a todos. Sem cultura não há dignidade possível para uma sociedade que se pretenda civilizada. Cabe uma política de estado comprometida com a causa destes equipamentos, com constante diálogo junto às organizações gestoras. A maioria, vale ressaltar, ergueu a sua própria lona. O Município, adiante, as incorporaria à rede de equipamentos culturais da cidade, subsidiando o funcionamento.
Não é fácil administrar uma lona cultural. Fui gestor de uma delas, a Lona Cultural Carlos Zéfiro, em Anchieta. Encontrei um espaço destruído. Deixei um brinco recentemente para os sucessores. Empenhei-me a mantê-la de pé. Enfrentei uma pandemia com alunos das oficinas que não tinham nem computador e nem banda larga para acompanhar aulas on-line. Lutei pela não suspensão das verbas para impedir que os prestadores de serviços ficassem desempregados. No fim das contas, chegou-se a um acordo em que cada lona receberia mensalmente R$ 16.000,00 brutos ao invés dos R$ 25.000,00 (R$ 23.750,00 já descontados o ISS da nota emitida). Não é muito. Mas foi melhor do que nada. Com a quantia, a organização gestora, escolhida desde 2009 por meio de um sempre desgastante processo licitatório, tem de dar conta de contratar equipe, disponibilizar som e luz (com os respectivos técnicos) e fazer a manutenção do espaço. Som e luz consomem metade deste valor. Difícil.
É evidente que as lonas culturais precisam de melhor tratamento político, de melhor estrutura, de melhor verba. Sensível à causa, o prefeito Eduardo Paes, que criou as Arenas Cariocas inspirado nas lonas, certamente revisará as deficiências destes espaços, abrindo interlocução para que os ajustes necessários sejam executados urgentemente. Torço por isso. Se os temas ambientais estão desde sempre no centro das discussões sociopolíticas, as lonas precisam e devem ser incluídas nestes debates. Não é opção, mas uma necessidade. É chegado o momento de tirar esses equipamentos do limbo, resgatando o seu protagonismo em regiões com os menores índices de Desenvolvimento Humano e Social.
Semana passada, li num post de rede social que o Circo Crescer & Viver, fincado no coração da Cidade Nova, selou parceria com o Minha Coleta e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente para uma série de ações que visa à preservação ambiental, entres essas coleta seletiva de lixo e geração de energia renovável. Junior Perim, ex-secretário Municipal de Cultura e fundador do Circo, em 2001, mais uma vez mostra a sua capacidade de se reinventar diante de um cenário íngrime para quem trabalha com arte. Faz o que as lonas deveriam vir pondo em prática desde o início dos anos 1990. As únicas que buscam se alinhar às propostas da Agenda 2030 são as de Campo Grande (Elza Osborne) e Realengo (Gilberto Gil). Mas não recebem incentivo. Nem da empresa privada e nem do poder público. O que deveria ser regra num projeto glorioso virou exceção. Apesar dos obstáculos, as lonas culturais resistem à precarização das relações trabalhistas, à falta de investimentos e à complexidade das disputas em processos licitatórios. Poucos projetos do setor duram tanto. Só por isso, as lonas culturais, que nunca receberam um reconhecimento público de vereadores ou deputados estaduais do Rio em 30 anos, já são vitoriosas.