Elizabeth Taylor foi uma espécie de novela das oito dos meus tempos de meninice e adolescência: teve uma vida em capítulos – muitos deles excitantes, outros deprimentes, alguns tristíssimos, outros hilários. O último capítulo acaba de ir ao ar, muito morno para quem se habituou às fortes emoções de toda a novela, e muito triste por nos arrebatar a última grande estrela de Hollywood.
Liz vivia nas manchetes e no imaginário de todas nós, as mocinhas bem-comportadas do início dos anos 60, que devorávamos avidamente as páginas de Cinelândia, da Manchete, daquelas poucas revistas, aqui, que se dedicavam às celebridades. As notícias levavam tempo pra chegar, mas os escândalos ou os casamentos ou o nascimento dos filhos ou o próximo filme que ela iria estrelar, essas chegavam rapidinho. As agências de notícias nunca desprezaram Liz Taylor – sabiam que ela vendia, que rendia assunto.
Era um tempo de grandes beldades, como já não se faz mais: Grace Kelly, Marilyn Monroe, Ava Gardner, Lana Turner, Lauren Bacall, as italianas Sophia Loren e Gina Lollobrigida. Todas elas eram assunto, claro, mas, de uma forma ou de outra, Elizabeth Taylor aparecia mais – fosse pelo enésimo casamento, pelo brilhantão Cartier, pelos escândalos nas filmagens de Cleópatra, pela última bebedeira. Não tinha pra ninguém e só dava ela.
Li num jornal americano que Zsa Zsa Gabor – que foi mais um símbolo sexual do que propriamente uma atriz – quando soube da morte de Liz, passou mal e foi internada num hospital gritando “ Eu sou a próxima!”. Zsa Zsa, explicou o porta-voz, acredita na superstição de que será a morta número 3, depois de Jane Russel e Liz Taylor. Com todo o respeito por Zsa Zsa, sua morte não causará tanto barulho. Como não causou a de Jane Russel. Simplesmente porque não haverá mulher como Elizabeth Taylor, a Gilda que me perdoe – nem a arrebatadora beleza de Rita Hayworth conseguiu ter morte mais pranteada e comentada no mundo todo do que a de Liz, semana passada.
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Nesses últimos dias, cenas de Miss Taylor passam em flashes na minha cabeça: revejo-a mocinha, muito mocinha, em Little Women, que assisti ainda muito criança; depois, nos filmes “fortes”, como dizia mamãe, que eu via, mas não compreendia bem: Liz, linda, num vestido branco de mousseline decotado, cintura marcada, os cabelos penteados com o pega-rapaz da época em Gata em teto de zinco quente; enrolada num sable coat, com chapéu idem, em V.I. P, já casada com Richard Burton; com ele, também, em Adeus às ilusões, que ainda trazia de bônus The shadow of your smile, música que tanto marcou a minha vida; em Cleópatra, que revi dia desses no TCM…
E me lembro que ficava mesmerizada com as jóias dela, apesar de nunca tê-las desejado: quem teria a star quality de Liz para portá-las? Não seria eu, com certeza.
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Pelo que contam e li ao longo da vida, de todos os papeis que viveu nas telas, o que a bela dos olhos cor de violeta mais representou na vida real foi o da destrambelhada, neurótica e bêbada Martha, que lhe valeu um Oscar em Quem tem medo de Virginia Woolf?, texto cruel de Edward Albee. Durante sua apaixonada e apaixonante vida, ela brigou, bebeu, bateu, tirou marido de amiga íntima, casou oito vezes, duas vezes com o mesmo homem, entrou e saiu das rehab da vida, mas, nisso tudo, só fez mal a si mesma. Apesar de toda a maluquice, deve ter sido uma boa mãe – os quatro filhos estavam com ela na hora de sua morte, o que já é um testemunho eloqüente. Foi amiga dos amigos, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, sem juízos de valor, e só isso já conta muitos pontos a seu favor.
Teve a sorte de uma morte abençoada, no final das contas. O coração não agüentava mais. Foi uma morte limpa, digna, que tirou de cena com graça e misericórdia a maior estrela de Hollywood de todos os tempos. Liz, como os diamantes que tanto amou, é para sempre.