por Anna Ramalho
Tudo anda muito triste e não é só aqui. França e Alemanha, prudentemente, fecharam tudo outra vez. Em Nice, sul da França, mais um ataque fundamentalista mata uma cristã dentro de uma igreja. A humanidade vai mal, o mundo está doente. Às vezes parece que estamos a um passo do fim de tudo, do juízo final. Clima pesadíssimo.
Mesmo quem tem o espírito leve como eu felizmente tenho, sempre olhando com esperança e otimismo o que ainda está por vir, não pode deixar de inquietar-se, de sentir-se apreensivo com o que ainda poderá nos surpreender mais adiante.
Para manter a sanidade, me agarro ao aqui e agora. Neste momento, estou em casa com minha Bela Antonia – a neta de 16 anos que, com muita saudade da vovó, aqui chegou na terça e só vai embora amanhã. Sob protestos. A simples presença da minha teen tem o condão de me acalmar e de me embalar na certeza de que dias melhores certamente virão – porque ela mal começou a viver e não é justo que sua adolescência seja interrompida por um vírus doido que atazana o mundo e, por aqui, nos joga na insegurança. Quem sabe o que fará Jair em nome de suas convicções burras acerca da gripezinha e do vírus chinês? Tenho mais medo do presidente do que da Covid, juro.
Sinto que as coisas por aqui vão de mal a pior. Nem os milicos do Planalto estão mais aguentando a Excelência. O artigo que escreveu o General Rêgo Barros – humilhado repetidamente no cargo do Porta-Voz de quem nunca se ouvia a voz – é um primor. Diz tudo com tanta cultura e elegância que é de se imaginar que Bolsonaro tenha precisado de um explicador para entender a mensagem. Cultura não é o forte do capitão, sabemos todos. Ele deve achar que é coisa de boiola.
***
Felizmente – e apesar da ignorância reinante – comemoramos hoje, 29 de outubro, o Dia Nacional do Livro. Mais que merecida data a ser devidamente cultuada num país que tanto precisa dele, um país que ainda tem 11 milhões de analfabetos e outros tantos milhões de analfabetos funcionais.
Não vivo sem ler, ainda que nesta pandemia a concentração não venha ajudando muito. Livro é sempre a melhor companhia e aprendi isso desde muito cedo.

Nada pode ser mais reconfortante do que uma estante cheia de bons livros e muita sabedoria: ler ilumina o ser humano
Mamãe foi minha grande incentivadora. Ela orientava as minhas leituras, à medida que eu ia crescendo. Comecei com Monteiro Lobato e, até hoje, lembro do vestido de baile da Narizinho na festa no fundo do mar, bem como sinto o cheiro dos quitutes de Tia Nastacia e imagino a maciez do colo de Dona Benta, uma avó dos sonhos. Depois, li muito a Condessa de Ségur e ainda tenho aqui alguns exemplares das histórias de Camila, Sofia, do General Dourakine e tantos outros personagens. José de Alencar e Machado de Assis entraram na minha adolescência e permaneceram – mais Machado do que Alencar, a bem da verdade.
Passei por todos os poetas e ainda passo: Drummond, Vinicius, Bandeira, Cabral, Gullar, Cecília; os cronistas Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Otto Lara, José Carlos de Oliveira; os inesquecíveis romances de Jorge Amado, Graciliano Ramos e Erico Verissimo. Clarisse, Rachel, Nélida, Lygia. Li muito e ainda leio. Minha mãe não me negava livros, pelo que serei eternamente grata.
Também li os clássicos da literatura mundial – especialmente literatura inglesa e francesa, itens obrigatórios na minha vida de estudante no Colégio Santa Úrsula. Amo a literatura portuguesa: Eça de Queiroz nos romances, Fernando Pessoa na poesia. Devo muito a eles, àquele português tão igual e ao mesmo tempo tão diferente do nosso cá no Brasil.
***
O que aprendi, o que guardei com cada um dos livros que li me salvam agora. Quanto maior a escuridão maior a luz que me ilumina a cada livro que abro.