por Vagner Fernandes
Como todas as legislações que garantem direitos civis e vêm sendo desconstruídas no Brasil, a Lei Aldir Blanc também se converteu em instrumento de polarização e de disputas políticas. No Estado do Rio de Janeiro, particularmente, a situação é crítica. Os seis editais lançados simultaneamente para socorrer os trabalhadores da Cultura prenunciavam que os R$ 106 milhões recebidos da União, via Fundo Nacional da Cultura (FNC), seriam um alento para os profissionais do setor, que enfrentam uma tsunami de desemprego em meio à maior crise sanitária dos últimos 100 anos. Mas não tem sido assim.
A inabilitação de mais de 600 proponentes de um total de cerca de 4.000 inscritos expôs problemas nos editais e na execução do instrumento criado para amparar quem enfrenta dificuldades e não burocratizar a destinação de dinheiro a quem de direito. Um documento de nove páginas foi entregue semana passada por um grupo de proponentes à Secretaria Estadual de Cultura do Rio. Pedia, entre outras coisas, que fosse revisto em caráter de urgência todo o processo de habilitação, já que há indícios de falhas nas análises realizadas por uma comissão de funcionários do Estado.
Em um dos editais, o de “Retomada Cultural”, embora seja exigida comprovação mínima de dois anos de atuação no setor, a lista de habilitados contempla empresas constituídas em período inferior. Uma delas foi aberta seis dias antes do encerramento das inscrições, em 19 de outubro. Por outro lado, uma absurda medida de inabilitar inscritos que não apresentaram orçamento no valor total dos prêmios preconizados pelo edital tem provocado a ira e muito mal-estar entre a Secretaria e os concorrentes. São duas categoria de premiação: A, com o valor de R$ 50 mil, e B, de R$ 100 mil. Cerca de 400 policitantes foram eliminados porque propuseram valores inferiores. A resposta da Secretaria é de uma insensatez descomunal: “O edital não prevê a premiação “ATÉ” R$ 50.000,00 ou R$ 100.000,00, mas sim um valor exato”.
Diante da pandemia de COVID-19, lançando mão de verba federal a partir de pleito das deputadas Benedita da Silva, autora da Lei Aldir Blanc, e Jandira Feghalli, relatora, a Secretaria impõe uma gincana de interpretação de texto, em que um advérbio é usado para justificar a sua não responsabilidade. Nada pode ser mais cruel do que criar obstáculos para que os trabalhadores da Cultura possam concorrer de forma legítima e equânime em um processo que deveria se pautar pelo diálogo e transparência. As inabilitações não foram justificadas com clareza pela comissão. Os analistas limitaram a reproduzir em um listão os subitens e as alíneas que motivaram a desclassificação. Deram um “copiar” e “colar” para formular respostas padrão.
Há um imbróglio que necessita urgentemente ser solucionado no Estado do Rio. O risco de judicialização dos editais já se apresenta, o que poderá gerar prejuízos à classe. Deputados federais eleitos pelo Rio e representantes da Comissão de Cultura da Alerj precisam intervir imediatamente para que todo o esforço não tenha sido em vão. A Secretaria de Cultura do Estado deveria ter como missão a facilitação e a democratização do processo com vistas a alcançar o maior número possível de trabalhadores. Não cabe à pasta a burocratização da Lei Aldir Blanc, elencando quem vive ou morre de fome no caos pandêmico em que nos encontramos. Isso tem outro nome: necropolítica. Aldir Blanc não merece ter o nome usado por uma gente que só faz desrespeitar o exercício pleno da cidadania.