por Reinaldo Paes Barreto
O nome é bonito, mas tem como sinônimos: quarentena… exílio. Aliás, esse coronavírus acertou na época do ano, a Quaresma. Que como dizem os judeus é tempo de quarentena espiritual. Mas é duro ficar “trancado” em casa, ainda mais em cidades outdoor como o Rio de Janeiro. Bom, mas é assim que tem que ser, ainda mais para pessoas “experientes” como este escriba. Então, pus-me a inventar viagens … dentro de casa. Em vez de cruzar o longo corredor mecanicamente (moro em apartamento antigo com geografia clássica dos anos 50, em Copacabana: sala de visita virada para a rua, sala de jantar – e de almoço! – contígua, depois porta para a cozinha e área de serviço e um corredorzão para os quartos que são voltados para os dos vizinhos do prédio e os do edifício em frente). O corredor é tão comprido que os nossos filhos andavam de bicicleta na mão – e contramão. Nessa viagem, venho dos quartos para a sala devagar, olhando os quadros na parede, imaginando mudanças de posição (sai o Zé Paulo M. da Fonseca aqui do começo e vai mais pra perto da sala e, para o lugar, trago o ”Beijo” do Rubens Gerchman, por aí). A seguir, levo o laptop do segundo escritório (o primeiro é o da minha mulher) para a mesa redonda da sala bem perto do janelão. Ganho em luminosidade e paisagem: é só esticar a vista que vejo a copa das amendoeiras da Barão de Ipanema, ouço o barulho (bem reduzido) dos carros e em intervalos cada vez mais espaçados uma voz mais alta do Severino, porteiro, dizendo algo para o Chico, jornaleiro… Faço ginástica no terraço comum, do prédio e me consolo desse exílio, sobretudo longe dos netos, dos amigos de décadas, dos amigos do INPI, dos parentes… pensando que poderia ser pior. Lembro-me da descrição do embaixador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva nos contando, em mesa do antigo e saudoso restaurante Gourmet, em Botafogo, como administrou o tempo nos “infindáveis” 61 dias em que foi mantido como refém dentro da embaixada da República Dominicana, em Bogotá (fevereiro a abril de 1980).
Fazer ginástica pela manhã e organizar uma rotina para o resto do dia era o primeiro mandamento. E acrescentou que às vezes punha-se a recompor de memória os seus colegas de ginásio coma letra A; no dia seguinte B e assim até o Z. Depois os professores, depois os endereços – como diplomata viajou muito – aonde morou. Depois o nome das namoradas, dos colegas do Itamaraty e chegou a jogar biriba com ele mesmo – sem as cartas!
Aliás, também o Jawaharlal Nehru, o primeiro primeiro-ministro da Índia após a independência e sucessor do Gandhi, no livro autobiográfico “Minha Vida e Minhas Prisões”, recomendava: não deixe o corpo lhe “desmoralizar”. Faça a barba, mantenha-se limpo, faça as suas “necessidades” na mesma hora, escreva, jogue mentalmente…)
Mas, felizmente, não é o caso de me achar num cativeiro. Nem ninguém deve se sentir assim. Pensemos que é só uma freada de arrumação. E como sugere a Monja budista Coen, em entrevista ao O Globo, de hoje (19/3/2020), aproveitemos para arrumar a casa e nossa mente, reaprender a respirar, ler, estudar, falar menos, desenvolver a paixão e a sabedoria…
Esse pandemia vai passar, como passaram a febre amarela, a peste, as duas guerras, a gripe asiática (de novo?) e temos que cuidar da vida no sentido mais amplo. A nossa, a dos nossos e a dos distantes. Com alegria, crescimento interior e agradecendo a Deus estarmos por aqui … porque depois, a gente fica morto muito tempo!