por Murilo Rocha
Aos muitos vilões do imaginário que nos acompanham desde a infância, como Lex Luthor, Dr. Silvana, professor Moriarty, o Barão Scarpia e Darth Vader, vieram se juntar os da realidade, como Gengis Khan, Átila, Ivan, o Terrível, Hitler, Stalin, e alguns políticos nativos. Nessas listas, porém, é impossível não reservar espaço privilegiado para os inventores do telemarketing e de seus xifópagos, o call center e os serviços de Atendimento ao Cliente da vida.
É claro que, como os empreiteiros, os propineiros, fiscais, guardas e corruptos em geral, os inventores dessas modernas formas de tortura raramente vêm a público. Se o fizessem seriam atacados e massacrados por hordas de infelizes cidadãos, submetidos diariamente a suplícios que, no aspecto psicológico, poderiam ser nivelados a clássicos do sofrimento alheio, como o pingo d`água contínuo, a “noiva de ferro” da Idade Média, o pau-de-arara e o garrote vil. Na verdade, poucas técnicas de tortura descem a requintes tão perversos para aniquilar a saúde mental dos brasileiros.
Registre-se que o telefone, a mãe de todos os padecimentos que os citados no primeiro parágrafo nos infligem, ganhou um poderoso aliado, do qual jamais nos livraremos: o computador e todos os seus filhos bastardos, (dene)gerados à razão de um por dia.
Duvido que exista um só leitor da Ana Ramalho, incluindo a própria, que não tenha desperdiçado horas preciosas de sua vida pendurado ao telefone, digitando 1 para isso, 2 para aquilo, 3 para aquiloutro, até, já quase no paroxismo da raiva, chegar ao 135 “para falar com nosso(a) atendente”. Duvido que alguém não tenha travado um alucinante diálogo de surdos, nesse mesmo tom, com o Eduardo Virtual da Oi. Que, começa a irritar pela voz, cheia de falso otimismo. Aí manda você pegar papel e lápis para anotar o protocolo. Não faz mal que o papel e lápis não estejam à mão, o Eduardo espera. Em seguida determina que se digite outra sucessão de números até remeter, enfim, ao atendente humano, ou quase isso. Trata-se de um rapaz ou moça, geralmente educado,que, mecanicamente, robotizado como o inferno que habita, pede seu nome, RG, CPF, filiação, número da certidão de nascimento e de casamento, ouve seu inevitável desabafo e raramente consegue resolver alguma coisa.
Já a versão cibernética (ainda se chama assim?) incorpora outro tipo de requinte de maldade: o link, que se estende interminavelmente, como uma corrida de 500 quilômetros com barreiras. É um exaustivo “clique aqui para isso”, “clique aqui para aquilo”, “faça seu login”, “coloque a senha”. Nesse momento você descobre que não tem senha. Nenhum problema, cria-se uma. Só que essa ainda será enviada ao seu e-mail. Vai-se correndo para lá, com medo de que a página “caia”, volta-se e, enfim, é aberta a janela que o levará ao Santo Graal, ou seja, poderá fazer o que deseja! Errou, irmão/irmã: uma mensagem aparece dizendo que você só poderá resolver seu problema pessoalmente. Acha que é exagero? Tente, por exemplo, registrar dependentes no site do Previ-Rio da Prefeitura deste balneário decadente. Acontece exatamente assim. E há sites similares, tão numerosos que não dá para citar aqui.
Resumindo, se você tem de comprar algo, deslocar-se, pagar contas, resolver um problema com o serviço público e seus concessionários, fazer qualquer coisa que integre a vida em sociedade, prepare-se para, invariavelmente, enfrentar uma longa jornada de aborrecimentos. É claro que o mau atendimento não é de todas as áreas. Há serviços e empresas que até resolvem as suas queixas, mas a passagem pelos SACs é sempre, no mínimo, um exercício de paciência.
Ou será que você acha que desfrutar de confortos modernos como comprar, encomendar, providenciar tudo sem sair de sua casa não teria um preço a pagar? Pois é, está pagando. E não custa lembrar a cruel frase de Milton Friedman: “Não existe almoço grátis”.
Murilo Rocha é jornalista.