por Bruno Cavalcanti
Em 2003, o Ágora Teatro, localizado em uma das travessas da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, viu a fila de público na porta dobrar com espectadores ávidos para assistir Nulidades, peça de esquetes cômicos que causou certo frisson no público e no próprio teatro, acostumado a receber o que se combinou chamar de “peças profundas”.
Quinze anos depois, foi a fila do Teatro Faap, também na capital paulista, que fez a curva no bairro de Higienópolis. Dessa vez, para conferir, durante uma curta temporada estendida Teatro para Quem não Gosta, uma sátira anárquica e sardônica sobre a história do teatro desde seu surgimento até sua última mutação. Além do anunciado sucesso, as duas produções trazem um nome em comum na ficha técnica: Ricardo Rathsam.
Dramaturgo, ator e diretor com presença bissexta nos palcos da cidade, esse paulistano do Brooklin, aos 42 anos, coleciona uma série de triunfos nos palcos, e parece guardar consigo a fórmula do sucesso teatral. A estes dois títulos somam-se Eu era Tudo pra Ela e Ela me Deixou, que incendiou plateias na cidade entre 2012 e 2013, e também é uma das cabeças criativas por trás de Cada um com Seus Pobrema, um dos maiores blockbusters do teatro brasileiro, responsável por catapultar a figura de Marcelo Medici a nível nacional.
Ao lado de Medici, Ricardo assina a direção, a concepção e a dramaturgia deste que se tornou um dos espetáculos mais cobiçados por produtores ao redor do país desde sua estreia, em 2004, e também foi um dos marcos iniciais da parceria da dupla, tão profícua que ainda renderia títulos como Cada um com Seus Pobrema 2 e o supracitado Teatro para quem não Gosta.
“Claro que a gente nunca procura fazer um trabalho esperando que dê errado, mas ao mesmo tempo nunca imaginamos que pudesse acontecer tanta coisa incrível”, diz o autor, que contabiliza: “tivemos fila gigantesca no Teatro Leblon, ingressos esgotados com 03 meses de antecedência, trânsito parado na porta do antigo Palace para assistir a peça, Eu Era Tudo Pra Ela… virar capa da Veja com título Comédia Campeã… Tudo o que foi conquistado foi deliciosamente inesperado porque o que nos move é a diversão e a vontade de trabalhar”, garante.
O sucesso não é apenas de público, mas também de crítica. Aliados, renderam a Rathsam uma indicação para o Prêmio do Humor, criado por Fábio Porchat, em sua primeira edição paulistana. O ator está indicado na categoria “Melhor Performance” por seu desempenho em Teatro para quem não Gosta, ao lado do parceiro Medici.
“Foi uma surpresa incrível. Como basicamente só faço comédia, achava que nunca seria indicado a nada. Prêmios dificilmente valorizam esse gênero. Na peça que fazemos, onde contamos a história do teatro, mostramos que isso acontece desde o princípio, lá na Grécia. O popular tratado com descaso por eruditos”, conceitua.
“Bem raro acontecer algo como a Ilana Kaplan que venceu o Shell de melhor atriz fazendo uma comédia. Ela tanto sabe disso que dedicou o prêmio a todos os comediantes. Então é realmente importante essa iniciativa do Fabio Porchat de premiar a dramaturgia e atuações cômicas”.
Embora colecione tantos sucessos, Rathsam, contudo, tem uma visão diferente acerca do seu ofício. “Nem me considero diretor, não estudei pra isso”. E pontua: “Uma vez a Grace Gianoukas, no começo da Terça Insana, tirou cartas de tarô para o Marcelo, e disse que me via como diretor. Achei que ela tava bem louca, nunca tive pretensão de ser”. Contudo, mesmo a contragosto, a previsão da comediante se provaria acertada.
“Eis que um dia o Medici me chamou para dirigir o Cada Um Com Seus Pobrema. Tentei convencê-lo do contrário e sugeri vários outros nomes de pessoas mais experientes. Ele insistiu e só acabei aceitando porque ele sabia exatamente como queria que fosse a peça. Eu não criei nem marcações, ele ficava livre em cena com a total consciência de palco que sempre teve. Eu era só um olhar de fora, alguém para cobrar ensaio ou lembrar uma coisa ou outra, mas jamais um encenador querendo deixar um registro”.
Mas o registro foi deixado, e se repetiu ao longo da carreira da dupla, que mesmo com outros nomes assumindo a direção e a encenação, sempre conseguiam fazer valer uma assinatura própria. Contudo, Rathsam não acredita que essa marca permaneça incólume ao tempo. “Se o que fazemos hoje terá alguma relevância para futuras gerações de comedia, não sei te dizer. Brasileiro não costuma ser muito bom em história”, conceitua, sem, contudo, deixar de perceber a importância do trabalho que realizaram ao longo de uma parceria de mais de 15 anos.
“Sei que o Cada Um deu um start pra várias comédias que buscaram formato parecido e acho isso ótimo. Nós também, inevitavelmente, bebemos de várias fontes. Foi e será assim sempre. Sucesso é relativo, mas já me sinto realizado profissionalmente. Não pelo o que deu certo, mas por trabalhar com o que gosto. Isso devia ser o essencial pra qualquer pessoa, em qualquer área”.
Temporariamente fora de cartaz, Teatro para quem não Gosta retornará ainda neste ano. “Fizemos uma pausa para o Medici gravar a nova novela das 18h. Mas temos o compromisso de voltar em cartaz em São Paulo, fazer uma temporada no Rio de Janeiro, e viajar para algumas cidades como Salvador e Recife. Espero poder aumentar a turnê, temos um imenso prazer em fazer esse espetáculo”.
Enquanto Medici grava Órfãos da Terra, novela de de Thelma Guedes e Duca Rachid, Rathsam trabalha em outros textos que pretende apresentar em breve, mas apenas para amigos. “Quem sabe eles se interessem, dão uma ralada e eu possa ganhar um percentual em casa, no momento seria lindo”, se diverte.
A carreira de diretor, apesar do sucesso, não está nos planos do autor. Na verdade, nunca esteve. “Quando esse espetáculo estourou, surgiram alguns convites para que eu dirigisse outros espetáculos. Muita gente acredita em seguir fórmula, acham que pegando a mesma equipe, ou trilhando as mesmas salas de teatro, farão bombar sua peça. Mas não aceitei nenhum convite porque eu não era o segredo do sucesso do Cada Um, sempre foi mérito do talento do Marcelo. Poderia até ter tentado me promover como diretor na época, mas seria um blefe”.
E conceitua: “Por fim, Grace previu o que eu nem sonhava. Continuo não querendo ter essa função, mas espero atuar e escrever por bastante tempo ainda”. Teatro para quem não Gosta retornará em breve, mas a entrega do Prêmio do Humor acontece em março, em São Paulo.
Se está apreensivo? Rathsam não deixa transparecer, mas garante: “Estou esperando passar o prêmio pra poder agradecer aos jurados, senão vai parecer que tô puxando o saco”, diz com seu costumeiro ar de autodeboche que contribuiu para criar, ao lado de Marcelo Medici, uma nova vertente do teatro cômico paulistano que, após Ricardo Rathsam, ganhou um novo respiro.

Ricardo Rathsam em “Teatro para quem não Gosta” | Foto: Lenise Pinheiro