por Bruno Cavalcanti
Tema que rodeia a obra do dramaturgo norte americano Edward Albee desde que despontou nacional e internacionalmente com o clássico instantâneo Quem tem Medo de Virgínia Woolf, a relação matrimonial fez do autor o mais célebre a tratar do assunto. Em Marriage Play, encenada originalmente entre 1986 e 1987, o tema encontra seu ponto de maturidade.
O mote é relativamente simples. Um marido chega em casa após uma epifania e informa a mulher que pretende deixa-la porque quer encontrar um novo sentido para a vida. A partir de então, mais de 30 anos de união e toda uma instituição socialmente engendrada são postos a prova com os já costumeiros e mordazes diálogos que Albee imprime em sua obra.
A obra é tão forte que, não só apenas inspirou muitos críticos e analistas a taxa-la (injustamente) de uma versão compacta de Quem tem Medo de Virgínia Woolf, como também inspirou, com sete anos de diferença, dois diretores a colocar em cena a história matrimonial de Gillian e Jack, um casal de meia idade às voltas com a decisão da separação e o que ela acarreta.
Em cartaz no Teatro do Sesc Santana, em São Paulo, a segunda montagem de Peça do Casamento em território tupiniquim finalmente encontra solo fértil. Sob a direção de Guilherme Weber (que dá, com esta produção, continuidade a trilogia de montagens baseadas no tema matrimonial), o espetáculo se despe de qualquer artifício cênico para apostar no que realmente importa: o jogo entre texto e elenco.
Na pele da bem humorada Gillian, Eliane Giardini entrega uma de suas melhores interpretações nos palcos paulistanos. A atriz, sagrada estrela de telenovelas, aproveita de seu irrestrito carisma para fazer de sua personagem uma espécie de representante da causa feminina frente a um casamento que, por vezes, se mostra abusivo.
A atriz opta por uma interpretação menos naturalista, dando vazão a toda a ironia sardônica do texto de Albee com rara excelência. No caminho inverno, Antônio Gonzales constrói um Jack muito mais ligado a realidade, embora a própria personagem esteja, guardadas as devidas proporções, ligada a características que configurariam o teatro do absurdo.
Os atores mantém um jogo cênico cativante, embocando o texto com fluidez. Mérito da inteligente direção de Webber, que, embora pareça se apoiar, principalmente, no carisma televisivo de Giardini, se comprova um diretor de sutilezas. É sutil, por exemplo, as inserções no texto de impressões acerca da própria personalidade de Albee.
Ao adicionar a expressão what a dump (imortalizada por Bette Davis no filme A Filha de Satanás, e citada por Albee no supracitado Quem tem Medo de Virginia Woolf) a fim de localizar a figura feminina dentro da obra do autor, e mesmo da sociedade contemporânea, Webber triunfa.
A encenação de alto nível cresce, principalmente, com a luz delicada assinada por Beto Bruel. O cenário pensado por Daniela Thomas e Camila Schmidt, embora não seja necessariamente um fator indispensável na encenação, deixa clara a intenção de, através de uma parede de espelhos, colocar as personagens frente a frente com suas respectivas verdades. Não é inovador, mas também não prejudica.
Enfim, Peça do Casamento é uma precisa incursão na obra de Edward Albee, grande autor norte americano morto em 16 de setembro 2016 aos 88, que comprova que é necessário maior mergulho em um ator que, ainda hoje, ressoa retumbante na dramaturgia mundial. A encenação de Webber mergulha com méritos.
COTAÇÃO: * * * * (ótimo)
SERVIÇO:
Peça do Casamento
Data: 08 de fevereiro a 17 de março (sexta a domingo)
Local: Teatro do Sesc Santana – São Paulo (SP)
Endereço: Av. Luiz Dumont Villares, 579 – Jd. São Paulo
Horário: 21h (sextas e sábados); 19h (domingos)
Preço do ingresso: R$ 20,00 (meia) a R$ 40,00 (inteira) – (R$ 12,00 para credenciados)