por Léa Penteado
As vezes olho as árvores do jardim como um todo, em outras vou no detalhe. Sou muito feliz por ter em uma casa com muito verde, ouso em dizer um pequeno bosque…. Como dizia meu irmão, “árvores de mato”. Prefiro acreditar que tenho um pouco de Mata Atlântica entre as Almesclas, Aroeiras, Cupubas, Flamboyants, Ficus… Quando o dia amanhece a luz é linda e fico admirando este cenário por cada janela onde passo. Começo com a que surge na cabeceira da cama, depois a da lateral que recebe a brisa do mar, na sequência a do pequeno corredor, depois a do banho… Quando desço a escada estico o braço para alcançar a magrinha, e enquanto abro as nove portas e janelas, encontro em cada uma algum pedaço de galhos sorrindo e me dizendo bom dia!
Este encantamento pela natureza me deixou triste com a grande queimada no entorno da vila durante uma semana. Foi puro arder. Com falta de chuva grossa desde agosto, era tudo rastilho de pólvora. Em uma noite o fogo chegou tão perto que do jardim vi o clarão. O fogo veio acabando com brejo, vegetação de restinga e a mata, tudo dentro de uma área de proteção ambiental. Foram mais de 7 kms de extensão lambidos pelas chamas, ameaçando à casa de amigos…. Comovente constatar o mutirão dos moradores se embrenhando sem roupa adequada nem equipamento para vencer o quase invencível…. Alguém me contou que viu o Otávio, um menino de estatura pequena, por volta 10 anos, com facão na mão e chinelos no pé, fazendo aceiro. Gritaram para sair e ele se fez de surdo focado na missão…. Um amigo que é um dos maiores produtores de cavalos Manga Larga Marchador recebeu a visita de uma onça que devorou um potro. Um índio teve crise respiratória e foi levado para outra aldeia até o clima acalmar…Todos tensos com o fogo que não cedia, como febre de criança…
E foi nesse clima que uma tarde ao voltar do trabalho fui surpreendida no jardim com uma árvore enfeitada com pequenas e delicadas rosetas de crochê presas por fios de nylon, quase imperceptíveis. Levei um tempo para entender de onde haviam saído estas lindezas, até olhar para Mari…
Vem aí mais uma das minhas histórias de amor e amigos… Cecília e José, casal gaúcho, pais da Mari, amiga da vida, há alguns anos me visitaram…. Amaram os banhos de mar, os passeios, as conversas, risadas, churrasco no chão, galinhada no fogão, pescaria na praia, tudo regado ao velho e bom chimarrão…. Prometeram voltar… Cecília mandava recadinhos no Face, presentinhos, até adoecer… Foram anos difíceis e um dia Ele achou melhor que ela fosse fazer crochê com fios de ouro no céu.. Sua última obra ficou com a filha que colocou algumas peças em sua casa e me trouxe estas… Costurou com graça e carinho no pé de Cupuba, deixando visão plena para a tenda do café da manhã, cercada por uma linda vegetação… Enquanto admirava esta instalação tão precioso e única pensei na ironia da vida…De um lado a natureza morre, do outro Cecília continua viva abraçada a uma árvore. Feliz em pode viver tudo isso… Gracias Cecília, sempre perto… Gracias Mari e Jose, sempre no meu coração…
Léa Penteado é jornalista e escritora, mora em Vila de Santo André, em Santa Cruz Cabrália, Bahia.