Quando estreou “A Casa dos Budas Ditosos” em 2004, sob direção de Domingos de Oliveira, Fernanda Torres ainda era uma atriz de 39 anos colhendo os frutos do sucesso “Os Normais”, o sitcom escrito por Fernanda Young e Alexandre Machado que fez de Torres e Luís Fernando Guimarães a grande referência da comédia do início do século XXI.
Pois bem, 12 anos depois, com um Prêmio Qualidade Brasil e um Prêmio Shell na estante e mais de 700 mil espectadores, Fernanda, aos 51 anos incompletos, retorna mais uma vez ao texto baseado no romance homônimo de João Ubaldo Ribeiro. A atriz realiza na terra garoa a segunda temporada da peça em 2016 (a primeira foi no Teatro Porto Seguro, em três únicas apresentações).
Fernanda chega ao Teatro Fecomercio, Sala Raul Cortez, para, inicialmente, duas semanas de apresentações, às sextas, sábados e domingos até o dia 17 de julho. A primeira semana já foi, mas aqueles que ainda não compraram ingressos não precisam se entristecer: a possibilidade de estender a temporada é grande (principalmente se levada em conta a lotação esgotada – com direito a cadeiras extras – na reestreia).
Antes das cortinas voltarem a se levantar na sexta-feira, 08, Fernanda recebeu a Conexão Sampa para um bate-papo sobre a peça em que encarna uma senhora libertina de 68 anos que, impelida de uma responsabilidade quase social, deixa para posteridade todas as suas experiências sexuais. Confira abaixo:
Conexão Sampa: É a segunda vez que você volta a São Paulo em cinco meses. O que São Paulo tem que te chama tanto?
Fernanda Torres: Público! O público de São Paulo é incrível. Primeiro, a cidade tem de tudo, né? Tem salas de teatro incríveis, tem um público que gosta de teatro. Cara, São Paulo é uma cidade que impressiona! Você vendo do Rio, impressiona (risos). Eu amo meu Balneário, mas São Paulo impressiona… e tem público! Aqui você não faz nem a cidade, você faz por bairro. Você faz Moema, aí faz Novo Brooklyn… é primeira vez que eu faço na zona central, então é impressionante.
CS: O que você descobriu de novo em relação ao texto nestes mais de 10 anos encenando a peça?
FT: Olha, a primeira coisa que eu descobri quando a gente foi adaptar a peça foi o romantismo do livro. E isso foi o incrível do encontro com o Domingos. Ele veio e falou: acho que a gente tem que montar os homens e mulheres que ela amou. Então aquilo foi um filtro no livro, e realmente tá lá! O negócio é o amor, mesmo pelo tio, mesmo nas horas mais sacanas da vida dela, ela ama aquelas pessoas, e isso é muito Domingos. E o que eu redescobri… é uma coisa interna, vem pela memória… O que acessa na sua memória certa passagem no livro? Isso foi mudando… isso vai mudando conforme eu vou fazendo. Algumas memórias continuam intactas, outras voltam a me visitar, mas o que realmente mudou sou eu em relação a personagem, a minha memória de vida e de experiência em relação a ela.
CS: Você voltou a ler o livro?
FT: Não voltei a ler o livro. E, aliás, é engraçado, o Nelson Rodrigues diz isso: o negócio de ler não é ler, é reler. Porque só quando você relê, você entende o que o cara escreveu, não de entender de fora, mas você se torna cúmplice do autor.
CS: A peça é um sucesso, é longeva, mas também é muito atual. A que você acha que se deve essa atualidade?
FT: Isso é muito atual (pausa e pensa).
CS: Você acha que vem do Ubaldo, vem da sociedade, vem dos dois?
FT: Eu acho que (pausa e pensa). Estamos vivendo uma época interessante e eu tô surpresa com o que a gente está vivendo porque é o momento de uma volta a um engajamento muito forte, importante, que eu acho que tem a ver com a internet, tem a ver com um lugar que a tecnologia nos deu e as pessoas são capazes de se organizar fora do Estado, né? Você se junta a outros e é capaz de pleitear, é capaz de colocar a sua visão de mundo. E junto também a uma crise mundial muito grande de valores, de partido, uma crise econômica, o mundo deu um nó, né? E isso, ao mesmo tempo, criou um patrulhamento de como se deve pensar, como se deve agir, o que é correto falar, existe também uma espécie de catequese do novo comportamento, e aí entra o Ubaldo com ela que é um ser liberto, como é Nelson Rodrigues. Tem umas pessoas que são libertas da sua época. O Nelson foi um cara perseguidíssimo, reacionário, só que o Nelson dialoga com o arcaico, ele é a tragédia grega em São João do Meriti. E o Ubaldo é um pouco isso, ele paira acima da sua época, ele tem uma visão liberta pela cultura que ele tem, pelo talento que ele tem, por ter vindo da Bahia, a visão de sexo dele é liberta, e só por ter nascido na Bahia já é avante! Então eu acho essa personagem incrível porque é como o Nelson: é acima, é em outro patamar e eu acho que o mais liberto é a pergunta que ela faz, que é fundamental: ousei cumprir minha vocação libertina, e a pergunta vem, ali na sombra: e você?
CS: Você falou muito da época em que vivemos. Fazer essa peça é um ato de levante?
FT: Eu odeio momentos de levante. Aliás, eu e o Domingos o tempo todo conversamos sobre isso, e ele sempre muito atento a isso. Nós fizemos muita força para não chocar. Eu lembro o Domingos falando pra mim: Nanda, você vai dizer a primeira sacanagem, peça licença. Eu lembro que teve uma época de um teatro muito agressivo que você jogava na cara da plateia que eles eram burgueses nojentos e que você era livre diante de tudo…
CS: Meio Zé Celso?
FT: Não falo nem do Zé porque não o acho assim hoje, ele não é assim hoje. Era uma época violentíssima, o teatro tinha esse lado, então não é do Zé, não. Eu fui ver o “Terra”, dele, é uma comunhão. Mas tinha o “Roda Viva”, de vir com a cena do fígado, mas aquilo não era do Zé, não, era do mundo, vinha do mundo, era a Guerra Fria, uma época diferente. Mas eu poderia ter feito “A Casa” para mostrar como sou livre, essa mulher livre e vocês são uns caretas, mas é o contrário, ela convida a concordar com ela. Ela, logo no início, fala um negócio assim: eu acho que isso é uma coisa que todo mundo aqui concorda comigo, e ela disse um absurdo, mas ela não pode imaginar que as pessoas pensem de outra maneira. Então é o contrário, não é pra dizer como eu sou libertária, nem pra dizer como essa mulher é um exemplo, é chamar pra perto.
CS: Essa senhora libertina de 68 anos… você diria que ela é feminista?
FT: Ela é uma feminista esclarecida progressista. Ela é um grande homem fêmea.
SERVIÇO
A Casa dos Budas Ditosos
Data: 08 de julho a 17 de julho
Local: Teatro Fecomercio, Sala Raul Cortez – São Paulo (SP)
Endereço: Rua Dr. Plínio Barreto, 285 – Bela Vista
Horário: 21h30 (sexta); 21h (sábado); 18h (domingo)
Preço do ingresso: R$ 50,00 a R$ 100,00
Vendas online: http://www.compreingressos.com/espetaculos/6687-a-casa-dos-budas-ditosos