por Anna Ramalho
Não vamos ter carnaval. Assim foi decretado. Momento de raro bom senso. Fico aqui pensando com os meus botões: quem pode estar em ritmo de bumbum praticumbum diante de mais de 230 mil mortes no Brasil? Quem pode pensar em sair nas bandas da vida quando sabe que a estatística macabra não para de crescer?

A alegria dos blocos que desfilam por toda a cidade está adiada. Até o ano que vem
O pior é que tem muita gente infeliz com a proibição. A moçada bronzeada que bate ponto na praia diariamente e que lota os botecos da vida está arrasada – aliás, duvido muito que consigamos atravessar quatro dias de folia sem topar com algum bloco clandestino. Nem que pusessem canhões e batalhões na rua. Essa turma não tem a menor responsabilidade. O negócio é encher a cara, cheirar, fumar. Sambar é o de menos.
É triste, sim, ficar sem aquela folia que todo mundo ama, mesmo que não participe. A cidade fica tumultuada, os jovens se excedem, mas é uma bagunça alegre, em uma cidade ensolarada, praiana, o lugar perfeito para curtir o carnaval. Todos os anos, mas este, não.

O Sambódromo vai ficar sem a sua maior festa, que terá capítulos rememorados na Globo
Vou sentir falta da Marquês de Sapucaí, que tenho frequentado muito menos, mas aonde costumo bater ponto no desfile das campeãs. Fazer o quê? Ninguém jamais imaginou que chegaríamos até aqui ainda muito desassistidos, muito intranquilos com o andar da carruagem. Pelos meus cálculos, eu seria vacinada no dia 3 de março. Agora, já não sei mais. A vacina está acabando. O atarantado Pazuello é o maior blefe da logística em todos os tempos.
Acabar vacina é a cara deste governo de quinta categoria, deste presidente sem máscara, sem respeito ao seu povo, que, ao invés de se preocupar com os mortos e os milhares de doentes, manda legislar para facilitar o comércio de armas de fogo, enquanto dispara perdigotos naquela turma da cancela do palácio. Em vez de dar o braço para tomar a vacina, faz arminha com a mão. Sua fixação no assunto chega a ser suspeita.
Não há mesmo clima pra confete e serpentina. O povo morre de doença e de fome enquanto aguarda o auxílio emergencial, a única solução para os milhões de miseráveis, também emperrada porque a autonomia do Banco Central é mais importante. Os critérios deste (des)governo desconcertam a gente.
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Que meu carinho atravesse as nuvens e chegue ao meu querido amigo, grande médico, figura adorável que foi o Fábio Cuiabano, respeitado dermatologista, vida ceifada aos 54 anos por este maldito coronavírus, que só está levando os bons. Descanse na luz e na paz, Fábio. Você vai fazer muita falta.
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Achei ótima a ideia da Brahma e da TV Globo de transmitirem nas madrugadas de domingo e segunda os mais impactantes desfiles da Sapucaí nos últimos anos. Louca pra conferir.
Mais uma vez constato: não sei o que seria de mim nessa pandemia sem a televisão e os bons livros. No momento, leio a excelente biografia do grande Samuel Wainer, escrita com pela jornalista Karla Monteiro em trabalho impecável e impressionante. Recomendo muito.
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Fico por aqui lembrando aquela marcha-rancho dos meus tempos de carnaval no Higino, em Teresópolis: “este ano não vai ser igual àquele que passou/eu não brinquei, você também não brincou…”
Fica, contudo, a minha saudação: Evoé, Momo!