por Rogeria Gomes
“Pode uma coisa descabida dessa”?, frase da personagem Dona Cotinha, interpretada pela atriz Suely Franco, no monólogo ‘Ela&Eu Vesperal Com Chuva’, que me inspira a falar sobre um assunto atual e atroz. É fato que a cultura e tudo que lhe diz respeito é muito pouco valorizado no Brasil, incluindo seus fazedores. Disso não há dúvida. Aliás, esses fazedores, amantes por excelência da cultura, são uma categoria que realmente sabe o que é garra, determinação, persistência, perseverança e são movidos pela esperança. A despeito desses, o foco do momento é questão da possível venda do Palácio Gustavo Capanema, que abrigou no Rio de Janeiro a sede o Ministério da Cultura, extinto no governo atual, além de outras pastas : Educação e Saúde . Esse já é o primeiro ponto doloroso, porque não há mais o Ministério da Cultura, o que reflete o descaso com a própria cultura, que é parte do princípio civilizatório e representativo de qualquer país. Impensável uma sociedade que não reflete sua cultura.
A construção do Palácio Capanema fez parte do Governo Vargas com intenção de modernização do país e de um projeto cultural. Além da edificação, que data de 1947, com assinatura de jovens arquitetos, nomes que se consagraram na história nacional, como Lucio Costa, Oscar Niemeyer e o paisagista Burle Max, está o conteúdo e todo invólucro a cerca do Capanema. Trata-se da representação de um novo tempo que foi instaurado como marco de um país em desenvolvimento que abrigou uma arquitetura moderna, contando com revestimento externo decorado por azulejos de Portinari , pinturas de Alberto Guignard, Pancetti e esculturas de Bruno Giorgi, Adriana Janacópulos, Jacques Lipchitz e Celso Antônio Silveira de Menezes, entre conceitos da arquitetura moderna do franco suíço Le Corbusie. Só o valor histórico já justificaria sua existência, que também abriga reconhecimento internacional. No entanto, o que está posto à mesa é muito mais do que a intenção de venda do imóvel, trata-se de sinalizar a importância que a cultura e a educação ocupam no Brasil. Pelo concreto entendemos o simbólico. Além da perplexidade há um abatimento por tudo que uma ação como essa significa. Diria Renato Russo: Que país é esse? Muitos do setor já se mobilizam em favor do Capanema, em tentar obscurecer o que indubitavelmente seria dos maiores equívocos históricos vividos no Brasil. Um dano irreparável. Felizmente, foi noticiado que após algumas conversas com parlamentares, o Ministro Paulo Guedes, retrocedeu à decisão, alegando inclusive, não ter conhecimento que o mesmo estava à venda. Difícil acreditar. Mas como tudo que se refere à cultura não recebe a devida atenção podemos dar um crédito a esse possível desconhecimento por parte do Ministro.
Já amargamos alguns outros destroços em nossa história republicana. Será que não caminhamos nada como nação? Será que não existe qualquer vislumbre de pensamento crítico? Constataremos a falta total de compromisso público, de valores nacionais? Diante do novo posicionamento do governo, esperamos estar diante de um alívio para a cultura. Como somos detentores de uma esperança imbatível, nos resta a ela recorrer. ‘Pode uma coisa descabida dessa’? Por ora, ficamos com o questionamento de D. Cotinha e a expectativa de que nada retroceda.
Por Rogéria Gomes