por Rafael Fonseca
Dezembro chegou, dingoubél!
Os Natais na minha família eram movimentadíssimos. Entre tios, primos, agregados, amigos, a figura carismática e inteligente do meu avô Nilo Borges Graciosa reunia em torno de si umas 50, 60 pessoas. Era um entra-e-sai, e havia uma tradição lá em Valença de que as pessoas, depois da ceia com os seus, corriam lá para a casa do vovô para terminar a noite, gente de toda idade, conversa animadíssima.
Meu avô morreu em 1988, e com ele, morreu o meu Natal. Pra começar, eu já estava saindo da adolescência e Natal, Natal mesmo, já tinha perdido a graça. O que era bom era a festa e esse fuzuê que estou contando para vocês. E tal festa nunca mais foi possível, pois jamais outra figura, na família ou na cidade, teria a capacidade de promover reuniões como aquelas. Ninguém ia pelo melhor vinho – que, lá, não tinha – nem da comida mais sofisticada (vovô era exageradíssimo e mandava assar um imenso leitão inteiro no forno da Padaria Pentagna, com maçã na boca e tudo). As pessoas iam catalisadas pelas histórias inacreditáveis, pelo senso de humor único e pela alegria – coisas que emanavam dele, e contagiavam a todos.
Mas deixem-me contar para vocês. Meu avô ainda era vivo, e os Natais foram transferidos para a Fazenda onde eu morei, a São Polycarpo, na vizinha cidade de Rio das Flores. Montava-se uma árvore enorme, meu avô dava presente para todos os netos (àquela altura, mais de 40) e todos os 11 filhos. Até hoje eu fico me perguntando como ele conseguia comprar tanta coisa! Era um advogado modesto e professor (de história e geografia para o ginásio e direito na faculdade) aposentado. Milagres natalinos. Os primos menores representavam, para lágrimas de todos os adultos, um presépio vivo, e sempre teve o neném a cada ano – como nasciam! – na manjedoura. Era bonito… Mas, como tudo acaba, acabou.
Mas para muitos, e sobretudo para quem tem suas crianças em casa, essa é uma data de festa. Verdade que o poder material, muitas vezes, supera o afeto que deveria prevalecer, mas isso é coisa que ainda temos – nós, humanos – que evoluir à beça. Quem sabe daqui uns 300 anos?…
Por vezes, a necessidade de dar um presente é imperativa. Ou a alguém que você quer fazer uma deferência especial, ou ao chefe, ou um gesto de agradecimento por alguma coisa durante o ano. Ou porque você gosta de gastar mesmo, tem para isso, e então vá em frente!
Tendo em vista evitar aquele cedê te-ne-bro-so de canções natalinas da cantora Simone e seus similares, ofereço uma lista que pode até não agradar ao presenteado, mas ele vai achar você alguém de super-bom-gosto!
Primeiro, podem considerar os “DEZ CEDÊS IMPERDÍVEIS” que indiquei aqui, no último artigo. Lembram-se deles? É só clicar AQUI.
A seguir, livros e DVDs fundamentais!
L I V R O S
O RESTO É RUÍDO, ESCUTANDO O SÉCULO XX.
Alex Ross. Companhia das Letras.
Um livro bem universal, que pode agradar a quase todo mundo. Traça uma deliciosa crônica do século passado pela produção musical, desde o escândalo da Sagração da Primavera, de Stravinsky, na Paris de 1913, contado em todos os seus detalhes, mas dando espaço também às obras não-eruditas.
O autor é colunista da Revista New Yorker, escreve bem e torna a narrativa interessantíssima, colocando a produção musical em paralelo aos fatos políticos e revoluções sociais.

PARALELOS E PARADOXOS, REFLEXÕES SOBRE MÚSICA E SOCIEDADE.
Daniel Barenboim e Edward Said. Companhia das Letras.
Não, eu não estou levando jabá da Companhia das Letras. Mera coincidência.
O livro traz as transcrições de conversas, umas públicas, outras não, do regente e pianista Daniel Barenboim com o escritor e pensador Edward Said. Juntos, eles criaram a West-Eastern Divan Orchestra, conjunto jovem constituído de árabes e judeus.
O assunto envereda um pouco mais profundamente pela música, mas nada específico demais. De como interpretar Beethoven a como se acomodar palestino e judeus em Israel, o livro leva o leitor a reflexões importantes para a nossa era.

UMA NOITE NO PALÁCIO DA RAZÃO. James R. Gaines. Record.
Outro livro que pode ser excelente mesmo para quem não é fanático pela música clássica. Gaines traça os perfis históricos de Bach e Frederico II, culminando no fatídico encontro entre os dois, em 1747, no Palácio Sanssouci, em Potsdam, perto de Berlim.
Desse encontro nasceu uma obra que é, ao mesmo tempo, um colossal monumento musical e um grande enígma: A Oferenda Musical.
É um retrato maravilhoso da psiquê do Rei, esmagado pela tirania paterna por seus gostos sensíveis, contém cenas fortes, como a morte de seu namorado executado a mando do pai diante de si. E a volta por cima, tornando-se o primeiro monarca iluminista. Enquanto isso, o ocaso do velho Bach, detentor de uma sabedoria artística invejável, mas que por essa época via sua música sair de moda.

BEETHOVEN.
Edmund Morris. Objetiva.
Quer saber mais sobre o terremoto musical que sacudiu a Europa no início do século XIX, mas sem se enfadar com o habitual desfile de termos técnicos incompreensíveis ao leitor leigo em música?
Eis o livro: Beethoven, da série Breves Biografias da Objetiva.
De leitura leve, informativo e fácil, dá pra começar a tomar certa intimidade com o homem, autor de obras como a Quinta ou a Nona Sinfonia.
D V D s

PROM AT THE PALACE.
Vários. BBC / Opus Arte.
Um apanhado de várias obras, algumas bem populares (como balés de Tchaikowsky e Pompa e Circunstância de Elgar), nas comemorações do jubileu da Rainha Elizabeth II.
O concerto ao vivo foi filmado nos jardins de Buckingham e traz grandes nomes como o violoncelista Rostropovich e as sopranos Kiri Te Kanawa e Angela Gheorghiu.
Muito bem filmado, é uma festa, literalmente. O fato de apresentar pequenos números o faz palatável aos mais iniciantes em música, bem como aqueles que dizem que adoram clássicos, mas costumam ser os primeiros a pedir para diminuir o volume. Com este, ouviram alto até o fim!

SWINGING BACH.
Bobby McFerrin. Euroarts.
O fenômeno Bobby McFerrin consegue levar a audiências jovens as obras do repertório erudito, graças à sua irreverência. Ele canta Bach exatamente como fazia em “Don’t worry, be happy”nos anos-80.
O espetáculo, em praça pública, na bachiana Leipzig, mistura jazz e outros bichos, tudo com a música do grande Johann Sebastian Bach. Mas nasa sai de mau gosto, muito pelo contrário: além da chancela de ter à frente a Orquestra Gewandhaus, que outrora fora dirigida por Mendelssohn, McFerrin possui sólida carreira musical que vai além dos hits pops, já tendo regido as maiores orquestras do planeta.
Bom para iniciar os pequenos.

AMADEUS.
Milos Forman. Warner.
Embora o filme seja de 1984 – lá se vão 27 anos! – é de uma beleza surpreendente.
Aparte o fio-condutor do roteiro, uma inveja doentia de Salieri, ser muito mais recurso dramático que verdade, o filme é um ótimo jeito de se aproximar da obra do grande Mozart.
Muita música, e boa música! E excelentes interpretações, numa realização impecável.
O SEGREDO DE BEETHOVEN.
Agnieszka Holland. MGM / Downtown Filmes.
Não, a assistente de Beethoven nunca existiu. Não, nunca ninguém o ajudou a compor sua Nona Sinfonia. E não, jamais ele regeu a obra, e muito menos tendo a ajuda de alguém escondido no palco.
E isso tudo está no filme.
Anotem isso e já sabendo, deliciem-se com um Beethoven encarnado em Ed Harris como se o filme tivesse sido rodado num centro espírita. De tudo que já li sobre ele, seu temperamento, suas explosões emotivas, de tanto ter escutado sua obra, arrisco a dizer que Beethoven era esse, assim mesmo.
Divirtam-se!
Aproveito para convidá-los a conhecer o roteiro que preparei para a Páscoa, uma viagem a Lucerne e Salzburg. Confiram clicando aqui!
RAFAEL FONSECA, pesquisador musical
www.guiadosclassicos.blogspot.com